tag:blogger.com,1999:blog-7638668704003436272024-03-13T21:59:21.122-07:00BAQUE - BLOG DO GERALDO LIMAGeraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.comBlogger249125tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-67477188544699829482022-04-19T15:36:00.003-07:002022-04-19T15:40:45.244-07:00Quatro nanocontos na pandemia<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgdYKc9UwppnrlymagLeKYUDwrL0Dy-h7_V_Myl86HRVeUDYu2kUnRHqfxRfP6V_UywI-yijEtzRkdeKBO_N2Vrr_QUoTbBSeO6PqZx_gIWKKaHz33zRun119LS5PS6tfD4LK6w5jdyUGjtQmx_9t1_f4eeMLKALcWNyuTLfqhZDg_t4aO4n1r-BUP6/s1008/Pessoas%20com%20m%C3%A1scara%203.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-size: large;"><img border="0" data-original-height="634" data-original-width="1008" height="251" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgdYKc9UwppnrlymagLeKYUDwrL0Dy-h7_V_Myl86HRVeUDYu2kUnRHqfxRfP6V_UywI-yijEtzRkdeKBO_N2Vrr_QUoTbBSeO6PqZx_gIWKKaHz33zRun119LS5PS6tfD4LK6w5jdyUGjtQmx_9t1_f4eeMLKALcWNyuTLfqhZDg_t4aO4n1r-BUP6/w400-h251/Pessoas%20com%20m%C3%A1scara%203.jpg" width="400" /></span></a></div><div><br /></div> <i><span style="font-size: x-small;">[imagem do google, modificada]</span></i><br /><p><b><span style="font-family: arial;">Por Geraldo Lima</span></b></p><p><span style="font-family: arial;"><br /></span></p><p class="MsoNormal"><span style="line-height: 107%;"><b><span style="font-family: arial;">HISTÓRIA</span></b></span></p><p class="MsoNormal"><span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: arial;">Sua última
mensagem postada em plena pandemia:<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: arial;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>“Saio das redes sociais para entrar na
vida”<o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial;"><br /></span></p><p class="MsoNormal"><span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: arial;"></span></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial;"><span style="line-height: 107%;"><b>FEMME FATALE<o:p></o:p></b></span></span></p><span style="font-family: arial;">
<p class="MsoNormal"><span style="line-height: 107%;">Apaixonou-se
pela moça de máscara vermelha.<o:p></o:p></span></p></span><p></p><p class="MsoNormal"><span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal"><span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: arial;"></span></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial;"><span style="line-height: 107%;"><b>CAPITALISMO<o:p></o:p></b></span></span></p><span style="font-family: arial;">
<p class="MsoNormal"><span style="line-height: 107%;">Sem máscara
é mais caro, ela disse ao cliente de cabelos brancos.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></p></span><p></p><p class="MsoNormal"><span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal"><span style="line-height: 107%;"></span></p><p class="MsoNormal"><span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: arial;"><b>TRANSGRESSÃO<o:p></o:p></b></span></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: arial;">Sua última
pichação antes de ser pego pela covid:<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial;"><span style="line-height: 107%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span><span style="line-height: 107%;"><b>SEM SEXO É FODA!<o:p></o:p></b></span></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial;"><span style="line-height: 107%;"><b><br /></b></span></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><i>[Nanocontos publicados, originalmente, no Instagram]</i></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial;"><span style="line-height: 107%;"><b><br /></b></span></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial;"><span style="line-height: 107%;"><br /></span></span></p><br /><p></p>Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-18221271030115576232021-11-28T15:27:00.005-08:002021-11-28T15:27:58.320-08:00Um olhar sem idealismo sobre a luta armada<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-bhu0iDPJDro/YaQOyEU84LI/AAAAAAAABcU/pN-1bB_x5H4RQJnpITH0-mqTvIvb8bVSQCLcBGAsYHQ/s225/CAPA%2BDO%2BLIVRO%2BNOITES....jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="225" data-original-width="225" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-bhu0iDPJDro/YaQOyEU84LI/AAAAAAAABcU/pN-1bB_x5H4RQJnpITH0-mqTvIvb8bVSQCLcBGAsYHQ/w400-h400/CAPA%2BDO%2BLIVRO%2BNOITES....jpg" width="400" /></a></div><br /> <b style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Por Geraldo Lima</span></b><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">A Ditadura
Militar, que se estendeu de 1964 a 1985, já rendeu, na literatura brasileira,
livros nas mais diversas áreas, da poesia ao ensaio. Dentre os mais recentes
livros de ficção que abordam esse período tenebroso da nossa história,
encontra-se o romance <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Noites Simultâneas </i>[Bagaço,
2017, 173 páginas], do jornalista e escritor Maurício Melo Júnior. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">O livro, que não
teve o devido destaque no ano de sua publicação, conta a história de um
indivíduo que, tendo como projeto de vida apenas formar-se em Medicina e, posteriormente,
cuidar da fazenda dos pais, vê-se, de repente, envolvido com a luta armada. “O
moço não se apega às revoltas, nunca leu ou viveu política, mergulha a
existência em certa capa de ingenuidade e alienação...” [pág. 13]. A cena em
que ele se vê envolvido numa manifestação de protesto, no momento em que vai
atravessar uma ponte, lembra um pouco a cena do filme <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Tempos Modernos</i> em que Carlitos, de uma hora pra outra, involuntariamente,
começa a marchar à frente de uma manifestação de trabalhadores e acaba sendo
tomado como seu líder. O protagonista de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Noites
Simultâneas</i>, até então um pacato jovem vindo do interior, sem ligação
alguma com as manifestações políticas que agitam o país, vê-se em meio à
repressão policial aos manifestantes e, ajudado por uma moça, com a qual vai se
envolver ideológica e amorosamente, consegue escapar. A partir desse instante,
começará a fazer parte de uma organização guerrilheira e seu projeto de vida
muda radicalmente. E tudo vai acontecendo assim, de um modo bem frenético, numa
narrativa que não se detém muito em detalhes descritivos, seja do espaço
externo, seja do mundo interior das personagens. O foco, neste caso, é a ação, é
o desejo de captar o clima tenso e buliçoso da agitação política dos <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Anos de Chumbo.</i><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Uma estratégia
narrativa empregada por Maurício Melo Júnior, para caracterizar bem a imagem
daquele período de lutas clandestinas contra o regime, é referir-se aos
personagens não pelo nome próprio, mas, sim, pela sua profissão, pelo gênero,
pelo seu papel no movimento de guerrilha etc. Assim, o protagonista é
apresentado, inicialmente, como “o moço”, depois, como “o prisioneiro”, e, por
último, como “o aposentado”. É como se essa espécie de codinome tivesse a
função de criar um certo distanciamento, como no teatro épico de Brecht, para
evitar que os aspectos puramente emocionais nos afastem da visão histórica. Ainda
assim, é possível perceber, em certas ações do protagonista, diante do
esfacelamento das forças revolucionárias, uma natureza nebulosa e capaz de
fraquezas imperdoáveis. A partir de então, sua trajetória de vida torna-se
incompatível com aquele momento de adesão radical ao movimento de guerrilha,
com aquela travessia da ponte que funciona, simbolicamente, como elemento de
ligação entre seu estado anterior de alienação e sua posterior tomada de
consciência política. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>É ele mesmo que
confessa: “Era a vida que eu queria, mas sempre fui fraco, covarde, medíocre”
[pág. 145]. Sabemos que, na vida real, não pouco foram os que traíram também a
causa, sob tortura ou não. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Noites
simultâneas</i> é, de certa maneira, um romance que escancara essa ferida, essa
mácula presente no ideário revolucionário que combateu a ditadura em nosso
país. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-0div8mqjTgM/YaQPL8JqltI/AAAAAAAABcc/nKZXNlkMHB862QjfUQ3XyaVCWuf8HTgOACLcBGAsYHQ/s800/FOTO%2BDE%2BMAURICIO%2BMELO.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="533" data-original-width="800" height="213" src="https://1.bp.blogspot.com/-0div8mqjTgM/YaQPL8JqltI/AAAAAAAABcc/nKZXNlkMHB862QjfUQ3XyaVCWuf8HTgOACLcBGAsYHQ/w320-h213/FOTO%2BDE%2BMAURICIO%2BMELO.jpg" width="320" /></a></div><p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">A narrativa, que
se dá em terceira pessoa, acompanha ágil o ir e vir do protagonista num espaço
geográfico que também não é nomeado, apenas sugerido nos seus elementos
naturais, arquitetônicos, urbanísticos etc. No início da história, por exemplo,
deduzimos que a ação se dá numa cidade litorânea ao nos depararmos com esta
afirmação: “...a greve só não interrompe o vento atirado pelo mar...” [pág.
12]. Seria Recife? <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>E assim vai até o
final. O que sabemos é que o protagonista percorre um longo espaço, através do
qual vai mudando, também, seu modo de pensar e de agir. Às vezes, está mesmo é
em fuga, tentando livrar-se do passado, de “Uma vida de nódoas, mágoas,
segredos” [pág. 145]. Mas, como deduz a certa altura da vida, “O passado é uma
pedra coberta de limo, impossível limpar” [pág. 166]. Resta-lhe, ao final, a
tentativa de se contrapor [num texto que parece ecoar apenas para si mesmo] à
presença heroica da antiga namorada, dos tempos de guerrilha, que, fiel aos
antigos ideais, pode se dirigir às novas gerações e falar sobre o seu passado
de luta revolucionária.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><span style="mso-spacerun: yes;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><span style="mso-spacerun: yes;"><i>[Resenha publicada, originalmente, no <a href="https://www.jornalopcao.com.br/opcao-cultural/romance-de-mauricio-melo-e-um-olhar-sem-idealismo-sobre-a-luta-armada-no-brasil-225592/">JORNAL OPÇÃO</a> ]</i></span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><span style="mso-spacerun: yes;"><br /></span></span></p>Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-35952862321173722922021-09-15T16:56:00.002-07:002021-09-15T16:59:10.890-07:00Entressonhos<p style="text-align: justify;"><span style="color: #050505; font-family: arial;"><span style="background-color: white; white-space: pre-wrap;"><b>Por Geraldo Lima</b></span></span></p><p style="text-align: justify;"><span style="color: #050505; font-family: arial;"><span style="background-color: white; white-space: pre-wrap;"><b><br /></b></span></span></p><p style="text-align: justify;"><span style="background-color: white; color: #050505; font-family: arial; white-space: pre-wrap;">Estou numa banca de revistas, coisa que não faço desde que começou a pandemia de Covid-19. Pego o exemplar de um jornal [me escapa o nome dele agora] e começo a folheá-lo. O encarte cultural me agrada e resolvo comprar o jornal [há tempos não faço isso]. </span></p><div class="o9v6fnle cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="background-color: white; color: #050505; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; white-space: pre-wrap;"><div dir="auto" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">A banca está cheia, gente da UnB, poetas da cidade, e pelo jeito a pandemia já acabou: não estamos usando máscara! </span></div></div><div class="o9v6fnle cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="background-color: white; color: #050505; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; white-space: pre-wrap;"><div dir="auto" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">No caminho para o caixa, topo com um amigo [não vou declinar o nome dele aqui]. Ele nem me cumprimenta, só diz que estou lhe devendo duzentos reais. De onde você tirou isso?!, lhe pergunto. Ele só diz que devo, e pronto. Viro-lhe as costas e me dirijo à moça do caixa. </span></div></div><div class="o9v6fnle cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="background-color: white; color: #050505; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; white-space: pre-wrap;"><div dir="auto" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Meto a mão nos bolsos e descubro que não tenho um tostão sequer. Sem carteira, sem nada. Digo-lhe que vou buscar o dinheiro, ela olha pro jornal em minha mão, depois, para mim, só na desconfiança. Peço que guarde o exemplar para mim, sou vizinho de vocês, volto rápido. Ela abranda a desconfiança e deixa que eu leve logo o jornal. </span></div></div><div class="o9v6fnle cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="background-color: white; color: #050505; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; white-space: pre-wrap;"><div dir="auto" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Dou dois passos para fora da banca... e acordo! No instante em que percebo isso, me apavoro: não gosto de ficar devendo os outros nem em sonho.</span></div><div dir="auto" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div dir="auto" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">...................................... ............................................ ...................................... ......................</span></div><div dir="auto" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div dir="auto"><div class="kvgmc6g5 cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="margin: 0px; overflow-wrap: break-word;"><div dir="auto" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Deixou a mão na testa dele por alguns segundos, como quem afere a temperatura de um enfermo. A mão leve, milagrosa, mão de mãe ou de amante zelosa.</span></div></div><div class="o9v6fnle cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word;"><div dir="auto" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Em seguida, com o mesmo cuidado, dois dedos pressionaram-lhe o pescoço, tentando sentir a pulsação da artéria, a passagem subterrânea do sangue até o cérebro.</span></div></div><div class="o9v6fnle cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word;"><div dir="auto" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">O toque no peito pareceu-lhe insinuante, indo além do desejo de conferir-lhe os batimentos cardíacos. A mão tornou-se extremamente macia e elétrica, deixando-se escorregar um tanto até o umbigo, como se fosse adentrar o cobertor em busca de outros vãos. </span></div></div><div class="o9v6fnle cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word;"><div dir="auto" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Por algum motivo, a mulher mudou de ideia e segurou-lhe o braço, descolando-o do corpo. Esse gesto, meio brusco, fez com que ele acordasse e desse com a esposa ao lado da cama, o olhar atento e preocupado de quem confere se o outro ainda está vivo.</span></div></div><div class="o9v6fnle cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word;"><div dir="auto" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">O marido não tinha o hábito de dormir até as onze da manhã, ainda mais com aquele calorão de derreter os miolos.</span></div></div></div></div>Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-77649350722819775272021-03-21T11:19:00.003-07:002021-03-21T11:19:46.186-07:00É melhor ficar em casa<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-0sBZJ61cDPo/YFeM3DdeuOI/AAAAAAAABZs/R9-jTf4FpUkH_iPw715au4vDkEe8_gGNQCLcBGAsYHQ/s2048/20180722_150901.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2048" data-original-width="1536" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-0sBZJ61cDPo/YFeM3DdeuOI/AAAAAAAABZs/R9-jTf4FpUkH_iPw715au4vDkEe8_gGNQCLcBGAsYHQ/w300-h400/20180722_150901.jpg" width="300" /></a></div> [foto:geraldolima]<br /><p style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: verdana;">Por Geraldo Lima</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: verdana;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">Sei que há os que ainda saem de casa
despreocupadíssimos como se nada de importante e perigoso estivesse acontecendo,
mas o fato é que, pelo menos para mim, sair de casa para resolver as questões
do dia a dia tornou-se um ato trabalhoso e estressante. São muitos os cuidados
que devem ser tomados para que essa saída esteja dentro do protocolo com as
medidas sanitárias adotadas para conter o avanço da Covid-19. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">E é aí que <i>o sair de casa</i> se
complica. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">O ritual – para os que estão fora do
grupo dos negacionistas – começa com a colocação da máscara. Até aí, tranquilo.
É só escolher um dos modelitos na gaveta da cômoda [a máscara com emblema do
time do coração, a máscara com as cores da Bandeira Nacional, a máscara
combinando com a blusa e o sapato, a máscara indicada pelo especialista tal...],
prender os elásticos atrás das orelhas [nunca pensamos que elas teriam outra
utilidade senão a de sustentar as hastes dos óculos] e sair sem temor. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">Por falar em óculos, nestes tempos de
cuidados extremos, usá-los acarreta um trabalho extra na hora de sair,
principalmente se for de carro. Caso você use óculos de grau, precisará passar
sabonete nas lentes para que não embacem com o hálito quente que escapa pelas
bordas superiores da máscara. Aliás, esse foi um dos primeiros macetes que
aprendi logo no início da pandemia, e tem me valido muito! É impressionante o
grande número de <i>MacGyvers</i> que surge para auxiliar-nos nessas horas de
aperto. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">Um viva para eles!<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">Com máscara no rosto e óculos
preparados contra embaçamento, você se lança à missão do dia.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Já na porta, quase transpondo a soleira,
lembra-se de que não pegou o frasco de álcool em gel, e volta meio irritado
para pegá-lo! Sim, mesmo tendo uma infinidade de recipientes e de totens contendo
álcool em gel 70% em todos os estabelecimentos comerciais, clínicas médicas, clínicas
veterinárias, hospitais, bancos etc., você, como cidadão prevenido, leva o seu.
E faz muito bem, vai que o seu seja de melhor qualidade que os disponibilizados
nesses ambientes, né? Eu, particularmente, sempre levo um vidrinho de álcool em
gel no bolso ou dentro do carro. Um homem prevenido vale por dois, não é o que
dizem?<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">Parar complicar um pouco mais o
simples ato de sair, junte-se a isso outros objetos que você teria que levar,
mas que, por focar nos listados acima, indispensáveis nesses dias pandêmicos,
acaba se esquecendo deles, como a carteira, a chave do carro, a lista de
compras, o celular, a garrafa d’água, a blusa de frio, o guarda-chuva etc. etc.
Quando você consegue, enfim, cruzar o portão de casa ou a portaria do prédio,
já gastou um tempo enorme e seus nervos se desgastaram um pouco mais.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">Agora, pense na volta. Pense no
chegar em casa vindo da padaria, do supermercado, do hospital, do laboratório,
do banco, lugares onde você, inevitavelmente, cruzou com pessoas, umas usando a
máscara no queixo, ou nem isso, respirou o mesmo ar que elas, sentou-se no
mesmo banco que elas, sem poder manter o devido distanciamento, tocou em
objetos, em embalagens. Os cuidados se redobram, mais canseira: ter que lavar
alguns itens da lista de compras, aspergir álcool em outros, livrar-se das
embalagens, reaproveitar outras após higienizá-las, despir-se das roupas e
colocá-las logo para lavar, tomar banho. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">Ou seja, outra trabalheira! <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">Isso, obviamente, para quem está
preocupado em se proteger do Coronavírus, estando ou não no grupo de risco. Preocupa-se
em proteger a si mesmo e aos outros. Em outras palavras, prima por valorizar a
vida.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana; font-size: x-small;"><i>[Crônica publicada, originalmente, no <a href="https://www.jornalopcao.com.br/opcao-cultural/tempo-de-covid-e-melhor-ficar-em-casa-315233/">Jornal Opção</a>, Goiânia, 2021]</i></span></span></p>Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-58807457525671567092021-02-22T15:26:00.013-08:002021-02-22T15:30:20.217-08:00Leitura de miniconto<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><iframe allowfullscreen='allowfullscreen' webkitallowfullscreen='webkitallowfullscreen' mozallowfullscreen='mozallowfullscreen' width='417' height='442' src='https://www.blogger.com/video.g?token=AD6v5dyEHu2-Qh9E-VntmNh0oj4xBlaFyns86RuKmtsUROYpRyBdN7GV28_45NrehcFZns1v_69KXVYRB3FVK4_zoQ' class='b-hbp-video b-uploaded' frameborder='0'></iframe></div><br /><p></p>Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-45709189101661464222021-02-22T15:15:00.000-08:002021-02-22T15:15:03.975-08:00A narrativa ácida e inquietante de Rodrigo Novaes de Almeida<p><span style="font-family: verdana;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;"><i><span style="line-height: 150%;"><o:p></o:p></span></i></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: verdana;"><i><a href="https://1.bp.blogspot.com/-aQzvGVVSNAY/YDQ5EaNYNPI/AAAAAAAABZI/evL4EADQLZcNIoycuOnj2pJlcoIf8Nl_wCLcBGAsYHQ/s2048/CAPA%2BDA%2BLIVRO%2BDAS%2BPEQUENAS....jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2048" data-original-width="1366" height="351" src="https://1.bp.blogspot.com/-aQzvGVVSNAY/YDQ5EaNYNPI/AAAAAAAABZI/evL4EADQLZcNIoycuOnj2pJlcoIf8Nl_wCLcBGAsYHQ/w275-h351/CAPA%2BDA%2BLIVRO%2BDAS%2BPEQUENAS....jpg" width="275" /></a></i></span></div><span style="font-family: verdana;"><i><br /> </i><b><span style="line-height: 150%;">Por Geraldo Lima</span></b></span><p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><o:p><span style="font-family: verdana;"> </span></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="line-height: 150%;">Das pequenas corrupções cotidianas que nos levam à barbárie e outros
contos </span></i><span style="line-height: 150%;">[Patuá
Editora, 2018], do escritor e editor Rodrigo Novaes de Almeida, traz vinte
contos relativamente curtos que escancaram, com uma linguagem direta, sem
rebuscamentos e pudores vocabulares, uma realidade dura, incômoda, em que os
afetos e a esperança não prosperam. A obra, que esteve entre os semifinalistas
do Prêmio Jabuti 2019, é um exemplo da literatura contundente e essencial que
se produz hoje no país.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">Dito assim, entendemos logo que não
se trata de literatura de entretenimento. Nada de prosa água com açúcar. A arma
de fogo, o falo ereto, a masturbação, a violência urbana, a indiferença
permeiam as histórias narradas, ora na primeira pessoa, ora na terceira. A
temática, nesse caso, contempla, na maioria dos casos, o lado sombrio do ser
humano. “Eu era uma criança que desejava crescer logo, odiava não ser levado a
sério pelos adultos. Eu enxergava o desdém nos seus olhos. Tinha vontade de
matar todos eles. O sentimento mudou um pouco aos doze anos, quando ganhei de
dia da criança minha primeira arma de fogo” [pág. 75]. Como não enxergar, nessa
criatura, um dos muitos tipos que foram forjados nesse caldo de brutalidade e
boçalidade que hoje gangrenam nosso mundo? <span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: verdana;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-toLsYh1XqZE/YDQ5UBAut8I/AAAAAAAABZQ/58uqWEl0ZtYLwvg9C2ZttqrCbR-ecwNKACLcBGAsYHQ/s275/IMAGEM%2BDE%2BRODRIGO%2BNOVAES.jpeg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="183" data-original-width="275" src="https://1.bp.blogspot.com/-toLsYh1XqZE/YDQ5UBAut8I/AAAAAAAABZQ/58uqWEl0ZtYLwvg9C2ZttqrCbR-ecwNKACLcBGAsYHQ/s0/IMAGEM%2BDE%2BRODRIGO%2BNOVAES.jpeg" /></a></span></div><p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">Ao adentrarmos as páginas do livro de
Rodrigo Novaes, vamos nos deparar com a realidade brutal e distópica dos nossos
dias e com os mistérios e pavores que rondam a vida humana. Num conto como <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ondina</i>, é o mistério, avizinhando-se do
terror, que impera; já em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Voyeur</i>, a
violência e a indiferença diante do ato atroz.<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>Que fique então bem claro: o autor não tem, realmente, com essas narrativas
cruas e mergulhadas no mundo abissal da violência, do abuso sexual na infância,
do voyeurismo, da solidão urbana, da masturbação desenfreada etc., a intenção
de apaziguar o espírito do leitor ou da leitora. Sua narrativa é do tipo que
provoca o desassossego, a reflexão sobre a natureza humana e suas atitudes, às
vezes, desprovidas de lucidez e afeto. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">Rodrigo tece sua narrativa sem
aliviar a mão, usando, às veze, frases curtas, que nos colocam diretamente em
contato com a mais devastadora realidade, como a do conto <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Aos oito anos</i>: “papai morreu em um acidente de carro quando eu
tinha quinze anos. meu presente torto de debutante, ter me livrado daquele
homem. dois mil quinhentos e cinquenta e oito dias, como foi que eu esqueci?”. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Além disso, usa da sutileza de fazer com que
elementos de uma história apareçam em outra, criando, dessa maneira, um elo entre
elas, um sentido de continuidade. Há que se prestar atenção nesse detalhe para
entender, inclusive, o que acontece em determinada história. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">Ao concluirmos a leitura da obra <i>Das pequenas corrupções cotidianas que nos
levam à barbárie e outros contos,</i> somos, de imediato, instigados a pensar
na contística de Rubem Fonseca e Dalton Trevisan, que têm retratado, de modo
preciso e implacável, esse universo sombrio das relações humanas, contaminadas,
principalmente, pela violência e pela secura de afetos. Nessa linha de
construção de uma narrativa ficcional que nos assombra e nos lança na
inquietude, Rodrigo Novaes de Almeida se apresenta como um dos mais promissores
escritores da sua geração. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana; font-size: x-small;"><i>[Resenha publicada, originalmente, no <a href="https://www.jornalopcao.com.br/opcao-cultural/a-narrativa-acida-e-inquietante-de-rodrigo-novaes-de-almeida-237148/">Jornal Opção</a>] </i></span><o:p></o:p></span></p>Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-72827944874384710372020-12-23T04:53:00.002-08:002020-12-23T04:53:44.877-08:00Um recorte da construção de Brasília no romance de Lima Trindade<p><span style="font-family: verdana;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: verdana;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-iMwFSuuYMSs/X-M5WBltH8I/AAAAAAAABYE/5kGLMFmObawoQwsL3sD7NZe4Oz-KP0CdwCLcBGAsYHQ/s800/CAPA%2BDO%2BLIVRO%2BAS%2BMARGENS%2BDO%2BPARAISO.webp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="800" data-original-width="581" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-iMwFSuuYMSs/X-M5WBltH8I/AAAAAAAABYE/5kGLMFmObawoQwsL3sD7NZe4Oz-KP0CdwCLcBGAsYHQ/w290-h400/CAPA%2BDO%2BLIVRO%2BAS%2BMARGENS%2BDO%2BPARAISO.webp" width="290" /></a></span></div><span style="font-family: verdana;"><br /> </span><b style="text-align: justify;"><span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: verdana;">Por Geraldo Lima</span></span></b><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="line-height: 107%;"><o:p><span style="font-family: verdana;"> </span></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">Brasília tem servido de cenário ou
tema para obras de gêneros literários diversos, mostrando, com isso, sua
importância como centro do Poder e, ao mesmo tempo, como cidade que vai, aos
poucos, criando sua própria identidade cultural. Quase sempre a vemos retratada
já como centro urbano consolidado, em pleno desenvolvimento, exibindo tanto sua
beleza arquitetônica, seu inusitado plano urbanístico, quanto os problemas
sociais que a cercam ou espalham-se em seu interior. Vê-la retratada ainda
durante a sua construção, ora com olhar de encanto, ora com olhar de crítica
severa, é coisa rara de se ver. Em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">As
margens do paraíso</i> [romance, Cepe Editora, 2019, 269 páginas], o escritor
Lima Trindade, nascido em Brasília e vivendo atualmente em Salvador, cumpre
esse papel e nos transporta para o cenário de avenidas empoeiradas, canteiros
de obras sob o comando de empreiteiras e empresas públicas, alojamentos precários,
escritórios, boates e zonas de baixo meretrício, numa Brasília que marcha para
ser inaugurada, impreterivelmente, no dia 21 de abril de 1960. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">Antes, porém, de fazer com que a vida
de seus protagonistas – três jovens brancos de diferentes camadas sociais –
convirja para esse cenário épico da construção da nova capital do país, ele
apresenta cada um deles em sua respectiva cidade: Juazeiro, Anápolis e Rio de
Janeiro. É nessas localidades, distantes umas das outras, que vemos como se deu
a formação intelectual e afetiva desses jovens e de como os ecos da construção
de Brasília chegavam até eles.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></span><span style="font-family: verdana;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><o:p><span style="font-family: verdana;"></span></o:p></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: verdana;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-XqioGceV_dA/X-M6Io8LKYI/AAAAAAAABYM/ZK2dlrKWVwMo2xAKGdjRL_2xlbKgTM4jwCLcBGAsYHQ/s275/FOTO%2BDE%2BLIMA%2BTRINDADE.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="275" data-original-width="183" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-XqioGceV_dA/X-M6Io8LKYI/AAAAAAAABYM/ZK2dlrKWVwMo2xAKGdjRL_2xlbKgTM4jwCLcBGAsYHQ/w266-h400/FOTO%2BDE%2BLIMA%2BTRINDADE.jpg" width="266" /></a></span></div><span style="font-family: verdana;"><br /></span><p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">A ESTRUTURA DO ROMANCE E A VIDA DOS
PERSONAGENS<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><o:p><span style="font-family: verdana;"> </span></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">Como há dois momentos importantes
marcando a vida dos protagonistas Leda, Rubem e Zaqueu, Lima Trindade optou,
acertadamente, por dividir o livro em duas partes. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">Na primeira, a narrativa é feita em
1ª pessoa e cada capítulo recebe o nome do narrador-personagem [Leda, Rubem,
Zaqueu], assemelhando-se, nesse aspecto, ao romance <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Enquanto agonizo</i>, de Faulkner. Desse modo, ficamos sabendo das
frustrações, desejos e aspirações de cada protagonista, quase sempre em confronto
com o meio em que vive. Leda sofre ao ser explorada na casa do padrinho, em
Juazeiro, enquanto sonha com os artistas do rádio e do cinema. Aos poucos, o
desejo que sente pelo padrinho vai complicando sua vida, a ponto de levá-la a
um desfecho trágico.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Rubem, ao mesmo
tempo em que se anima com a ascensão no emprego, frustra-se na vida amorosa, e
isso será decisivo para que mude radicalmente seu projeto de vida longe dos
bares e praias do Rio. Zaqueu, filho de pais ricos, pertencentes à elite anapolina,
rebela-se e nega-se a continuar os estudos. O pai, que o leva ao prostíbulo
para que se inicie na vida sexual, é o mesmo com o qual tem duros embates.
Todos eles, impactados por acontecimentos trágicos, como é o caso de Leda e
Zaqueu, ou frustrantes, no caso de Rubem, vão amadurecer e ganhar,
praticamente, uma nova personalidade no universo agitado e tenso da capital que
se ergue em pleno cerrado. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">Na segunda, ainda que haja dois
capítulos curtos, que recebem também o nome do narrador-personagem [Mauro] e
com narrativa em 1ª pessoa, vai predominar a narrativa em 3ª pessoa no longo
capítulo intitulado “Brasília”.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>No novo
cenário de cidade em construção, de busca de novos horizontes, de adaptações ao
novo ambiente, o narrador onisciente cumprirá bem a função de nos apresentar os
personagens com maior riqueza de detalhes, tanto física quanto psicológica.
Assim, ficará bem clara a mudança de caráter de Zaqueu e de estilo de vida de
Rubem, e isso terá papel fundamental no desfecho da história. O uso do narrador
onisciente permitirá, também, que o autor nos forneça um panorama das
atividades desenvolvidas na construção da capital, envolvendo desde as
empreiteiras até os prostíbulos na Cidade Livre, os quais, de certo modo,
ganham relevo nesta narrativa de Lima Trindade. Aliás, o sexo tem um grande
destaque nessa história, chegando a influenciar no seu andamento. Assim,
podemos perceber que é nos prostíbulos e boates da Cidade Livre que ocorrerá
boa parte dos encontros dos personagens. “Zaqueu estivera em outros bordéis da
Cidade Livre antes. Divertira-se, bebera e, afora o prazer que desfrutara nos
braços femininos, descobriu ser nesses espaços que as oportunidades de negócios
se apresentavam com maior frequência. Não quaisquer negócios. Mas justamente os
mais lucrativos. Assim como não se apresentavam em quaisquer bordéis” [página
180].<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">É interessante observar também que a
construção frasal muda de uma parte para outra. Na primeira, ouvimos a voz de
cada protagonista narrando, no presente, seu cotidiano e os conflitos nele
inseridos, e sempre num ritmo mais acelerado, entrecortado, devido ao uso sistemático
de frases curtas. Esse procedimento está bem de acordo com a estratégia
narrativa adotada pelo autor para esse momento da história. Já na segunda, sob
a ótica do narrador onisciente, com amplitude de olhar, as frases longas imprimem
à narrativa, que se dá no passado, um ritmo mais lento e possibilitam um maior
detalhamento do espaço, dos estados psicológicos e das características físicas
dos vários personagens que aí transitam.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><o:p><span style="font-family: verdana;"> </span></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">PESQUISA HISTÓRICA E IMAGINAÇÃO<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><o:p><span style="font-family: verdana;"> </span></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="line-height: 150%;">As margens do paraíso</span></i><span style="line-height: 150%;"> é fruto de apurada pesquisa histórica realizada por Lima em cada
localidade em que ocorrem os fatos narrados. Durante sua leitura, deparamo-nos
com personagens reais envolvidos na construção de Brasília, como é o caso do
político Israel Pinheiro e do escritor e também engenheiro Samuel Rawet, e com
fatos do conhecimento de todos hoje em dia, como o massacre no alojamento da
Pacheco Fernandes. No livro, já com a interferência da imaginação do autor,
assistimos a esse triste episódio acontecer em outro lugar: “Meia hora depois,
dois caminhões repletos de soldados da GEB ultrapassaram a fronteira dos
portões da Estevão Muniz e estacionaram na parte dianteira do alojamento de
solteiros, onde havia a maior concentração de operários da empreiteira” [página
258]. Em Juazeiro, Anápolis e Rio de Janeiro, percebe-se o cuidado do autor em
apresentar ambientes e situações culturais pertinentes ao momento histórico em
que os personagens vivem. Vemos já a presença de mulheres com discurso e
postura feminista, jovens articulando ações de esquerda no ambiente estudantil,
uma juventude influenciada pelas novidades no campo da música e da moda etc. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">Assim, a trama deste primeiro romance
de Lima Trindade envolve um elemento ficcional, em que a imaginação do autor
molda e move as ações dos personagens, até se cruzarem no cenário da construção
de Brasília, e um elemento histórico, que serve tanto como cenário, ou pano de
fundo, quanto como elemento fundamental no desenvolvimento da história e do seu
desfecho. <o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-ZrpMCcdVd9k/X-M7sN8u00I/AAAAAAAABYY/LUxpyLEUn8IYlWLZ-8hmwyGEpQF7NrQzQCLcBGAsYHQ/s800/FOTO%2BCONSTRU%25C3%2587%25C3%2583O%2BDE%2BBRASILIA.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="536" data-original-width="800" height="268" src="https://1.bp.blogspot.com/-ZrpMCcdVd9k/X-M7sN8u00I/AAAAAAAABYY/LUxpyLEUn8IYlWLZ-8hmwyGEpQF7NrQzQCLcBGAsYHQ/w400-h268/FOTO%2BCONSTRU%25C3%2587%25C3%2583O%2BDE%2BBRASILIA.jpg" width="400" /></a></div><br /><span style="font-family: verdana;"><br /></span><p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;">Lima Trindade, nesta sua obra, além
de nos apresentar de modo intenso a trajetória de três jovens brasileiros na
década de 1950, nos transporta a um momento singular da história do nosso país,
em que se sonhou verdadeiramente grande. Porém, ele não se furta ao dever de apontar
os sérios problemas que essa empreitada, levada a cabo por Juscelino Kubitschek,
produziu, como, por exemplo, a exploração da mão de obra dos candangos pelas
empreiteiras. Em <i>As margens do paraíso</i>,
como o título mesmo sugere, de modo irônico, já anunciam-se os graves problemas
sociais que ainda hoje cercam o Plano Piloto e dão conta do fracasso do sonho de
JK, Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. </span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: verdana; font-size: x-small;"><i>[Resenha publicada, originalmente, na revista digital <a href="http://diversosafins.com.br/diversos/aperitivopalavraiii/">Diversos Afins</a>]</i></span></span></p>Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-39560775594686588672020-12-07T17:10:00.004-08:002020-12-07T17:10:25.381-08:00Duelos: ou o descortinar da tragédia cotidiana que nos assombra<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-ggJBcap1Srw/X87OaQD0i8I/AAAAAAAABXk/AmachMr713Uhq3LUViL4SJY1t3_1hpxtQCLcBGAsYHQ/s306/CAPA%2B-%2BDUELOS.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="306" data-original-width="232" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-ggJBcap1Srw/X87OaQD0i8I/AAAAAAAABXk/AmachMr713Uhq3LUViL4SJY1t3_1hpxtQCLcBGAsYHQ/w303-h400/CAPA%2B-%2BDUELOS.jpg" width="303" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: right;"><b style="text-align: left;"><br /></b></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: right;"><br /></div>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><b><span style="font-family: verdana;">Por Geraldo Lima</span></b></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: verdana;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;">Eltânia André,
mineira de Cataguases, estreou na literatura com o livro de contos <i>Meu nome agora é Jaque</i> [Rona Editora,
2007]. Esse livro reúne várias histórias contadas por um único narrador [um
contador de <i>causos</i>, podemos dizer
assim], o Tizé, que, aposentado, passa a se denominar Jaque [“Já que estou aqui
no mundo, vou viver plenamente cada dia”, pág.146]. São histórias que se passam
no interior e são contadas num tom leve e bem-humorado. No seu segundo livro, <i>Manhãs adiadas</i> [contos, dobra
literatura, 2012], a autora dá uma guinada no tom narrativo: as histórias,
narradas por vozes diversas, são densas e desvelam o cotidiano de vidas humanas
marcadas pela desilusão e pela falta de perspectiva. Assenta-lhes bem o verso
do poeta Manuel Bandeira no poema <i>Pneumatórax</i>:
“A vida inteira que poderia ter sido e que não foi”. Agora, em <i>Duelos</i> [contos, Editora Patuá, 2018],
Eltânia nos apresenta uma série de histórias em que adensa mais ainda o tom
narrativo, expondo com lirismo e, às vezes, com secura, o desencanto da vida
contemporânea num Brasil sitiado pela violência e pela mercantilização da vida
humana. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;">O livro já abre
com um conto impactante, intitulado <i>Uma
das mil e uma noites</i>, no qual a autora apresenta um recorte aterrador do
Brasil atual: a violência contra homossexuais perpetrada por indivíduos de
tendência fascista. “Um dos pontapés atingiu o crânio. Outro quebrou uma
costela. O chute na cara. <i>Bicha</i>”
(pág. 9). É esse espírito de extermínio, que contaminou a alma de parte do
nosso povo, solapando o conceito de cordialidade do brasileiro, criado pelo
historiador Sérgio Buarque de Holanda, que esse conto expõe com crueza. É tão
forte e apavorante a cena descrita que, a certa altura, o autor interrompe a
sua criação, enojado: “...o sujeito ia partir para o ato – eu asfixiado, sem
planejamento, retiro os dedos do teclado num átimo de lucidez, tentando
estabelecer em que mundo dormitava meu pesadelo” (pág. 13). Podemos vê-lo,
sufocado, premido pela necessidade de mostrar ao mundo essa atrocidade e, ao
mesmo tempo, tomado pela sensação de impotência ante o terror: “Salve a
Wanderléa, porra! Resignado, entendo que nunca pude salvar ninguém. Apenas
indignar-me. Sinto náuseas. Não me reestabeleço. Os personagens assaltam-me,
pedem para que a literatura seja vida e sopre neles o espírito que os moverá”
(pág. 13). A metalinguagem aqui não se apresenta como mero artifício, mas, sim,
como meio para expor os limites da criação literária e o papel do escritor
diante do horror que nos sitia: “Estamos sitiados. Peço desculpas àquele poeta
que sussurrou pela rede seu apelo por histórias mais líricas, poéticas e ternas
– que também me rodeiam –, contudo elas hão de esperar, porque o mundo é esse
caos obsessivo e possesso ladrando nos quintais” (pág.14).</span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-9U3OqfBmQ2s/X87RJaUIbxI/AAAAAAAABXw/Np_Ui3eMA5M4249jZ8zlBDMkvr5TqDxTgCLcBGAsYHQ/s796/FOTO%2BDE%2BELT%25C3%2582NIA%2BANDR%25C3%2589.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><span style="font-family: verdana;"><img border="0" data-original-height="796" data-original-width="565" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-9U3OqfBmQ2s/X87RJaUIbxI/AAAAAAAABXw/Np_Ui3eMA5M4249jZ8zlBDMkvr5TqDxTgCLcBGAsYHQ/w284-h400/FOTO%2BDE%2BELT%25C3%2582NIA%2BANDR%25C3%2589.jpg" width="284" /></span></a></div><p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;">Frente à ameaça
de perda das liberdades democráticas e da escalada da violência, o escritor
brasileiro parece se encontrar de novo diante da questão que Luís Costa Lima
tentou responder no seu livro <i>Por que
Literatura?</i> (Editora Vozes, 1969). Expondo sempre a importância de se
valorizar a questão estética e nos alertando para o risco da simplificação da
linguagem em busca de uma comunicação direta, ele escreve num dos ensaios que
compõem o livro: “A tarefa da literatura continuará a ser, agora como antes, a
de atingir e a de trazer na palavra a raiz das coisas onde se deposita a raiz
do homem” (pág. 38). Imerso nesse dilema e nessa crise, o
autor/personagem/narrador do conto de Eltânia se socorre das palavras de Ortega
y Gasset [“eu sou eu e minha circunstância”], sabendo que não poderá jamais
fechar os olhos para o mundo ao seu redor. “Ainda há para contar pelo menos
outras mil histórias que não recolhi na Pérsia distante de Sherazade” (págs. 14
e 15). O como contar essas histórias, sem prejuízo do fator literário, é a
questão que se impõe agora, e isso, como podemos ver nos demais contos de <i>Duelos</i>, Eltânia faz com perícia e
extrema sensibilidade.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: verdana;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;">EXPERIMENTALISMO,
BELEZA ESTÉTICA E TEMÁTICA RELEVANTE<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: verdana;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;">Em pelo menos
quatro dos contos de <i>Duelos</i>, Eltânia
explora o aspecto experimental da narrativa. São eles: <i>Uma das mil e uma noites, Enquanto lia Faulkner, Matança de passarinhos
e Teatro a céu aberto</i>. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;">Em <i>Uma das mil e uma noites</i>, como já
destaquei, há o corte abrupto da narrativa, no momento em que se intensifica a violência
contra o personagem homossexual, para dar voz ao autor que, diante da gravidade
da situação, sente-se incapaz de seguir adiante com a história que está
contando. Só o narrar, no plano da imaginação, não lhe basta mais. A realidade
que o cerca é brutal demais e precisa ser denunciada. “Então, entendo
finalmente que eu preciso falar do nosso assombro, preciso falar da violência”
(pág. 13). Nesse instante, o narrativo e o argumentativo se mesclam para dar
conta da necessidade de desabafo do autor. No conto <i>Enquanto lia Faulkner</i>, temos uma narrativa em várias vozes: a do
moribundo, a do irmão, a da esposa e a de outros parentes que estão ao lado do
leito de morte do protagonista. É uma cena bastante teatral. São blocos de
narrativa, de monólogo, de fluxo de consciência, que se justapõem para nos
revelar o universo de hipocrisia e superficialidade das relações familiares no
meio burguês. O título e a própria estrutura do texto fazem referência, como se
pode notar, ao maravilhoso romance de William Faulkner, <i>Enquanto agonizo</i>. <i>Matança de
Passarinhos,</i> que nos mostra o inseguro e tenso mundo de um grupo de
crianças vivendo em meio a tiroteios na periferia, mais especificamente no
trajeto escola-casa, estrutura-se como um texto-coral, ou narrativa-coral, em
que as vozes, tensionadas pelo risco de morte iminente, se sucedem num falar exaltado
e sem prévia indicação. Desse modo, temos uma visão precisa da situação caótica
e violenta em que vivem essas crianças, que são abatidas como se fossem
passarinhos. <i>Teatro a céu aberto, </i>como o título aponta, tem muito a ver com
teatro mesmo: a estrutura do texto é o de uma peça teatral. O diálogo, embate
ou duelo, dá-se entre o Narrador e Romeu, e mais uma vez discute-se aqui a
questão literária ou o real poder da literatura. “Há a pergunta com a resposta
implícita: a literatura muda o mundo?”, indaga o Narrador a Romeu (pág. 110). O
Narrador, neste caso, tem o poder de demiurgo e pode decidir sobre o destino do
personagem, no caso, Romeu, este uma clara referência ao personagem de Shakespeare.
Metalinguagem e mistura de gêneros literários fazem-se presentes também neste
texto, dando conta da grande habilidade da autora de transitar entre as várias
camadas da criação estética.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;"><o:p></o:p></span></p><p>
</p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;">Compondo ainda o
volume, temos dois contos de extrema beleza estética e força literária. São
narrativas em que a densidade poética da linguagem e a presença de frases,
geralmente curtas, tornam o conteúdo ainda mais expressivo e impactante. O
primeiro, <i>Águas de dezembro</i>, nos
introduz no ambiente de pobreza, assolado todos os anos pela fúria da natureza [no
caso, as cheias do rio], no qual uma mulher, marcada pela passagem do tempo e
pela tragédia, tem ainda disposição para “garimpar sombras nessas águas-barcas
do Lava-pés, riozinho da vida que corre em nós” (pág. 69). O segundo é <i>Barreira liberada</i>, que nos fala de um
amor lésbico e da angústia da espera. Aos poucos, vamos conhecendo a
personalidade complicada da protagonista e sua busca por um viver intenso. “Fui
embora, batendo a porta. Mais uma que fecho” (pág. 96). E olhem só a beleza
desta imagem: “Macia sua pele, seu perdão” (pág. 96). É, para mim, uma das narrativas ficcionais
mais belas escritas em língua portuguesa. Merece estar em qualquer antologia
dos melhores contos do século XXI. Desse modo, devemos prestar mais atenção à
produção literária da mineira Eltânia André, que vem dando mostras de estar,
cada vez mais, afiada no trato com a linguagem literária e com aflorada
sensibilidade para captar as angústias do ser humano e retratar criticamente as
mazelas sociais do nosso país. linguagem e a presença de frases,
geralmente curtas, tornam o conteúdo ainda mais expressivo e impactante. O
primeiro, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Águas de dezembro</i>, nos
introduz no ambiente de pobreza, assolado todos os anos pela fúria da natureza [no
caso, as cheias do rio], no qual uma mulher, marcada pela passagem do tempo e
pela tragédia, tem ainda disposição para “garimpar sombras nessas águas-barcas
do Lava-pés, riozinho da vida que corre em nós” (pág. 69). O segundo é <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Barreira liberada</i>, que nos fala de um
amor lésbico e da angústia da espera. Aos poucos, vamos conhecendo a
personalidade complicada da protagonista e sua busca por um viver intenso. “Fui
embora, batendo a porta. Mais uma que fecho” (pág. 96). E olhem só a beleza
desta imagem: “Macia sua pele, seu perdão” (pág. 96). <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>É, para mim, uma das narrativas ficcionais
mais belas escritas em língua portuguesa. Merece estar em qualquer antologia
dos melhores contos do século XXI. Desse modo, devemos prestar mais atenção à
produção literária da mineira Eltânia André, que vem dando mostras de estar,
cada vez mais, afiada no trato com a linguagem literária e com aflorada
sensibilidade para captar as angústias do ser humano e retratar criticamente as
mazelas sociais do nosso país.<o:p></o:p></span></p><br /><p></p><div><span style="font-size: x-small;"><i>[Resenha publicada, originalmente, no Correio Braziliense e no Suplemento Literário de Minas Gerais]</i></span></div>Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-47982437668228893452020-08-21T14:55:00.000-07:002020-08-21T14:55:24.430-07:00A live<p> </p><div class="WordSection1">
<div><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span><b><span style="font-family: verdana;">Por Geraldo Lima</span></b></div>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: verdana;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;">Do nada, decidiu fazer uma <i>live</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;">Pensou em convidar os amigos [os das
redes sociais, os do chope no boteco] e os parentes mais próximos para o
evento? Que nada! Não postou cartaz no Instagram nem no Facebook, tampouco o mandou
no <i>direct</i> ou no <i>inbox</i>. Não convidou ninguém pelo WhatsApp, embora tivesse um número
bastante expressivo de pessoas na sua lista de contatos. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;">Nada, nada, nada. Simplesmente decidiu
e, na mesma hora, apareceu no Instagram diante de uma multidão de usuários da
rede cegos para a sua figura anônima. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;">Andrezinho acabara de entrar, para
verificar quantas pessoas haviam visto e curtido o seu <i>post</i> de uma <i>selfie</i> que
fizera à noite, só de pijama, quando deu de cara com a <i>live</i> do Jorjão. Na verdade, deu de cara com sua cara redonda
aparentemente travada numa expressão que não denotava a que viera. Jorjão nem
piscava. Os lábios grossos pareciam grudados com cola. A respiração parecia bem
controlada, como se não entrasse nem saísse ar pelas narinas. Nem o aviso de
que o amigo acabara de entrar mudou a fria expressão do seu rosto. Nem o
segundo aviso de que outra pessoa havia entrado, a usuária laura_2233, alterou
sua fisionomia fechada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;">Que merda é essa?!, Andrezinho se
perguntava. Então o cara ia fazer uma <i>live</i>
[era uma <i>live</i> aquilo, não era?] e nem
o havia convidado? Grande amigo, hein? Já meio puto, tanto com a falta de ação
do outro quanto com o fato de ele não o ter avisado, resolveu lhe perguntar do
que se tratava aquilo. Mas a mulher que havia entrado há pouco, talvez mais
ansiosa que ele, perguntou primeiro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;">Jorjão respondeu? Que nada! Continuava
exibindo, impávido, a mesma cara negra travada num <i>frame</i> que não seguia adiante nem a pau.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;"> A essa altura, mais oito pessoas haviam
entrado, o que já era um bom público para uma <i>live</i> sobre a qual ninguém ficara sabendo. Mas Jorjão continuava na
dele, imutável. Há cinco minutos se encontrava assim, enquanto todos esperavam
pelo início da <i>live</i> [se é que já não
havia começado de fato]. O que levaria alguém sem <i>status</i> algum de celebridade ou subcelebridade, de artista famoso e
de relevante importância para a cultura nacional, ainda mais em meio a uma
quantidade absurda de <i>lives</i> pipocando
todos os dias no Instagram, no Facebook, no YouTube, na TV, todas na busca
frenética por audiência durante a pandemia de Covid-19, o que levaria alguém
nessas condições a se lançar numa <i>live-surpresa
</i>e permanecer assim, imóvel e enigmático como numa performance? Nesse ponto
Andrezinho se lembrou das performances da sérvia Marina Abramovic.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;">É uma performance, Jorjão?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;">Nenhuma palavra, nenhum gesto, nada,
nada. Só o olhar penetrante do amigo atravessando a tela do celular e batendo
direto no olhar dos espectadores virtuais. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;">A mulher, a laura_2233, vazara há
tempos. Restavam ainda nove curiosos, gente com tempo de sobra e muita
paciência para ficar ali, tentando decifrar a cara negra e intransponível do
Jorjão. A cara-performance do Jorjão.
Alguém entrou, deu uma espiada rápida e saiu. Mais dois aproveitaram a
deixa e caíram fora. Jorjão parecia não se incomodar com esse entra e sai. Uma amiga em comum dos dois entrou, ficou um
pouco, clicou no <i>emoticon</i> de mãos
batendo palmas, e foi-se também. Mais um saiu; antes, porém, escreveu: Que
porra é isso?! Um minuto depois, restavam Andrezinho e um persistente
aldodasilva3. Andrezinho estava doido pra se mandar, já não aguentava mais
aquilo, mas a curiosidade batia mais forte: queria saber aonde Jorjão pretendia
chegar com aquela esquisitice. Se aquela
imagem estática tinha algum significado, seria no campo da criação artística,
da provocação estética. Mas até onde sabia, ele não tinha veia artística
alguma. Sabia, sim, que gostava de tirar sarro com a cara dos outros, era um
gozador nato, e talvez fosse essa a sua intenção agora. Mas poderia ser também
um protesto: dia desses ele havia sido vítima de racismo, coisa que ele não
gostava de comentar, mas que o tinha magoado muito. Vai ver era isso. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;">Ou não. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;">Na real, Jorjão havia virado estátua
viva no Instagram, – e agora só restava Andrezinho contemplando sua
imobilidade. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;">Mais tarde, assim que ligasse para
ele, Andrezinho ia querer saber<i> </i>que
presepada tinha sido aquela. Mas ia tirar mesmo um sarro da cara dele só quando
passasse a pandemia do Coronavírus e os dois pudessem tomar de novo um chope
juntos. Até lá, máscara na cara e nada de aglomeração, que “o seguro morreu de
velho”. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: verdana;">Antes de sair, assim meio sem jeito de
deixar o amigo ali, sozinho, escreveu e publicou, Valeu, Jorjão! Em seguida,
clicou no <i>emoticon</i> das mãos batendo
palmas, – e mandou logo uns vinte, no exagero mesmo, só pra zoar o
performer. <o:p></o:p></span></p>
</div>
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 105%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><br clear="all" style="mso-break-type: section-break; page-break-before: always;" /></span>Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-49980275701466514242020-07-18T15:19:00.000-07:002020-07-18T15:19:20.702-07:00Um crime e as feridas do nosso passado histórico<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-MrUZH17HU0Q/XxNzLSiecsI/AAAAAAAABWA/ZLMwmYp2lukD3_4dwoj3rtjkQmCkee--QCLcBGAsYHQ/s1600/CAPA%2BDO%2BCRIME%2BDO%2BCAIS%2BDO%2BVALONGO%2B1%2B6a99d7e9-0c0c-4ce2-8c5a-22f788223cb7.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="631" data-original-width="400" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-MrUZH17HU0Q/XxNzLSiecsI/AAAAAAAABWA/ZLMwmYp2lukD3_4dwoj3rtjkQmCkee--QCLcBGAsYHQ/s400/CAPA%2BDO%2BCRIME%2BDO%2BCAIS%2BDO%2BVALONGO%2B1%2B6a99d7e9-0c0c-4ce2-8c5a-22f788223cb7.jpg" width="252" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Por Geraldo Lima</span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">O romance policial e o romance
histórico sempre foram alvo do desprezo da crítica e da academia, apesar do enorme
sucesso que sempre alcançaram junto ao público. Desde Edgar Allan Poe, pai da
narrativa policial, e de Sir Walter Scott, tido como o criador do romance
histórico, esses gêneros ficcionais têm se mantido de pé, e parece que vão
continuar assim, visto que o número de autores e autoras que se dedicam a eles
só tem crescido, fora e dentro do nosso país. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Agora, quando falamos do romance
histórico-policial, temos uma outra realidade, porque aí a operação de
construir uma estrutura narrativa que une os dois estilos, o policial e o
histórico, torna-se mais complexa e arriscada.<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>No caso desse gênero literário, a estrutura narrativa apresenta uma trama
policial, ligada, geralmente, à investigação de um crime, e, também, um
registro histórico, juntando personagens reais e fictícios. Costurar essas duas
realidades calcadas na imaginação e no fato histórico, num ritmo que prenda a
atenção do leitor, é que demanda do escritor ou da escritora uma habilidade
extra. A jornalista e escritora Eliana Alves Cruz encarou o desafio e trouxe a
público o seu romance <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O crime do Cais do
Valongo </i>[Editora Malê, 2018], fruto de exaustiva pesquisa histórica e força
imaginativa. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="line-height: 150%;">O crime do Cais do Valongo</span></i><span style="line-height: 150%;"> é um romance histórico-policial, já que sua narrativa parte
da investigação de um crime e se soma às informações históricas referentes ao
contexto em que ele se dá. O crime, no caso, refere-se ao assassinato do rico
comerciante Bernardo Lourenço Viana, noticiado na Gazeta do Rio de Janeiro à
época. Já o registro histórico apresenta o Rio de Janeiro da primeira metade do
século XIX, com a Família Real já residindo no Brasil, e, de maneira mais
minuciosa, os arredores do Cais do Valongo, local de desembarque de africanos
escravizados e onde se dá a morte do comerciante Bernardo Lourenço.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="line-height: 150%;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Porém, uma outra narrativa, de
caráter mais subjetivo, se instaura a partir das memórias da africana
escravizada Muana Lómuè, protagonista, juntamente com o mestiço Nuno Alcântara
Moutinho, da história escrita por Eliana Alves. Essa narrativa abarca desde sua
vida na aldeia natal, em Moçambique, junto à sua família, até sua chegada ao
Cais do Valongo, num tumbeiro, e sua posterior destinação à casa do comerciante
Bernardo Lourenço. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Essa narrativa, resultante
do relato de Muana ao inglês Mr. Toole, que se diz contrário à escravidão, aproxima
o leitor da cultura africana, com seus mitos e sua diversidade étnica, e,
também, da triste realidade do processo de escravização do povo africano, do
qual a protagonista não escapa. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Essa proximidade com os aspectos
íntimos da personagem Muana, o seu encantamento com o mundo ao redor, com a sua
cultura, o seu despertar para o amor etc., <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>fará com que a destruição dos laços afetivos e
culturais que sustentam a sua existência nos deixe profundamente impactados. Daí
nos encantarmos com a figura feminina forte, resiliente, que não só sobrevive à
tragédia que abate sobre seu povo, como vai se fortalecer intelectualmente e
aprender a driblar os limites que a sua condição de escravizada lhe impõe.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>“Na Gazeta Rio de Janeiro, o Justino estendia
sua mão para receber o papel, mas não conseguia decifrar nada do que estava
escrito nele e pensava que eu era sem letras como ele e quase todos os outros.
Muito senhor também não sabia. Mais um motivo para esconder muito bem escondido
meu segredo...” [pág. 23]. Muana vai utilizar seu domínio da leitura para se
antecipar, inclusive, aos fatos, mostrando o quanto o conhecimento das letras
pode ser uma arma poderosa: “O Nathaniel, coitado, quase foi parar nos
infernos, se eu não entendesse o que o senhor escrevia” [pág. 19].<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Além disso, ela detém um poder que a alça
acima da maioria dos mortais: fala com os mortos, com o espírito dos
ancestrais. E esse é um outro detalhe importante nesse romance de Eliana: a sua
narrativa mescla, com sucesso, o olhar focado no elemento histórico, fidedigno,
e os voos da imaginação atrelada ao mistério e ao fantástico com raízes
fincadas no universo mítico-religioso da cultura africana.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-4G08oXcAe_Y/XxNz4pmP8lI/AAAAAAAABWI/cVjU4agoBgUiD4k8nJQZikouX7s-FQeSACLcBGAsYHQ/s1600/FOTO%2BELIANA%2BALVES%2B2%2B1_TCp-GncspwKs9kjWf--OuQ.jpeg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="822" data-original-width="1313" height="250" src="https://1.bp.blogspot.com/-4G08oXcAe_Y/XxNz4pmP8lI/AAAAAAAABWI/cVjU4agoBgUiD4k8nJQZikouX7s-FQeSACLcBGAsYHQ/s400/FOTO%2BELIANA%2BALVES%2B2%2B1_TCp-GncspwKs9kjWf--OuQ.jpeg" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">A história é toda narrada em primeira
pessoa: por Nuno Alcântara Moutinho, que conta sobre a investigação do crime
cometido nas proximidades do Cais do Valongo, onde reside e pretende abrir um
negócio, e por Muana Lómuè, que relata sobre os fatos envolvendo o cotidiano na
residência do comerciante assassinado e a trajetória dela da África até o
Brasil. Esses relatos de Muana, além de nos fornecerem uma imagem potente da
África e de seus ancestrais, servirão também para nos esclarecer sobre a
autoria do assassinato do seu senhor. É através do seu olhar afiado que teremos
uma visão mais crítica sobre as condições de sobrevivência dos negros
escravizados. Nuno Moutinho, que não é propriamente um detetive, mas faz bem o
tipo do detetive de romance <i style="mso-bidi-font-style: normal;">noir</i>
[beberrão, namorador e afeito a encrencas várias], por sua condição de mestiço,
mulato, tem um trânsito mais livre naquele contexto social, daí poder nos
apresentar, de modo até irônico, uma imagem mais direta das relações de poder
que sustentavam a sociedade brasileira naquele momento histórico. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">E sobre o ritmo da narrativa, que
salta da investigação sobre o crime para os relatos de Muana? Talvez, para o
leitor mais afeito à questão policialesca, essa quebra, que às vezes se estende
um pouco mais no rememorar da africana, possa ser um problema, aborrecendo-o.
Mas, atendo-se às intenções da autora, de nos oferecer um retrato mais amplo
sobre a protagonista e a história do seu povo, ao trazer até nós um pouco da
história e da cultura africana, é possível seguir a leitura, aguardando, para
cada início de capítulo, a retomada do processo de investigação feito pelo
Intendente-Geral da Polícia e acompanhado de perto por Nuno Moutinho. E olha que
a autora guarda, aqui, uma surpresa sobre a autoria desse crime! <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="line-height: 150%;">O crime do cais do Valongo</span></i><span style="line-height: 150%;"> é, portanto, leitura imprescindível para nos aproximar,
através da imaginação estética e da pesquisa histórica, de parte do nosso
passado, ao mesmo tempo em que amplia o leque da produção literária levada a
cabo pelos autores e pelas autoras negras deste país tão excludente.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="line-height: 150%;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="line-height: 150%;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;"><span style="line-height: 150%;"><i>[Resenha publicada, originalmente, no <a href="https://www.jornalopcao.com.br/opcao-cultural/escritora-eliana-alves-cruz-revela-um-crime-e-resgata-passado-historico-brasileiro-187383/">JORNAL OPÇÃO</a>]</i></span></span></div>
<br />Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-72444959414139165992020-05-26T13:43:00.000-07:002020-07-18T15:41:23.756-07:00História de uma amor que fere e traumatiza<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-97xpjfRw6n8/Xs191yF2rBI/AAAAAAAABVE/yPEMLNf9vfgqjfrpbuRtl4JW27dnyITygCLcBGAsYHQ/s1600/CAPA%2Bde%2BNenhum%2Bespelho....jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="615" data-original-width="435" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-97xpjfRw6n8/Xs191yF2rBI/AAAAAAAABVE/yPEMLNf9vfgqjfrpbuRtl4JW27dnyITygCLcBGAsYHQ/s320/CAPA%2Bde%2BNenhum%2Bespelho....jpg" width="226" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Por Geraldo Lima </span></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Todos nós estamos sujeitos a cair na lábia de algum espertalhão ou estelionatário, resultando, comumente, em prejuízo financeiro. Desde que o mundo é mundo, sempre houve aqueles propensos a tirar vantagens por meio da fraude. Está lá, no Antigo Testamento, Livro do Gênesis, capítulo 27: Jacó engana seu pai Isaque, ao se passar pelo irmão Esaú, com o intuito de receber a bênção que estava reservada a este. Mas há uma modalidade de fraude ou estelionato que envolve, principalmente, o desgaste emocional. É o que se dá numa relação amorosa em que uma das partes se entrega cegamente aos caprichos da outra.Nesse caso, a vítima[com mais frequência mulheres] perde o que tem de mais valioso: sua autoestima. Nesse tipo de golpe, além da perda financeira, sofre-se dolorosamente com o trauma emocional. O indivíduo que submete outras pessoas a esse tipo de situação é o que, tecnicamente, chamamos de psicopata, alguém cujo grau de empatia é praticamente zero. Alguém que seduz, tira vantagens e depois abandona sem remorso algum. No romance de Rosângela Vieira Rocha, Nenhum espelho reflete seu rosto [Editora Arribaçã, 2019, 263 páginas], temos esse tipo de situação traumatizante narrada pela protagonista Helen, uma mulher em ascensão profissional no mundo da joalheria que, apesar da sua maturidade e lucidez, vê-se envolvida numa relação claramente abusiva. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Rosângela disse em entrevista que, para compor essa história, ouviu o relato de várias mulheres que se envolveram amorosamente com o tipo de homem abusador, narcisista, enfim, psicopata. Leu bastante sobre o assunto, sempre buscando dar consistência às informações apresentadas ao longo da narrativa. É a partir, então, do acontecido com outras pessoas e do que há de estudo sobre os casos de psicopatia que ela compõe o retrato, tanto do vilão [creio que podemos chamar assim o sedutor, narcisista e misterioso Ivan Hernández] quanto da narradora protagonista do seu romance, a empresária Helen, também ourives e designer de joias.Procura-se, assim, tanto a justeza dos fatos narrados quanto da composição psicológica dos personagens. A fantasia, nesse caso, cede espaço ao realismo. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Os capítulos alternam-se entre os que tratam da formação profissional da protagonista, como ourives, do dia a dia na joalheria, e os que se apresentam na forma de relato pessoal,enviado por Helen, através de e-mails, ao médico psiquiatra e psicanalista que lhe solicita ajuda, o Dr. Jorge Campos. A ideia é que a história vivida por ela possa ajudá-lo no tratamento de uma paciente que se envolveu também com o mesmo homem com o qual ela se relacionou há dois anos, o argentino Ivan Hernández. Nesta parte, do relato pessoal, o nível de tensão, de suspense e de expectativa apresenta-se muito mais carregado do que nos capítulos que tratam do cotidiano na joalheria.Temos, nesse segmento narrativo, uma trama empolgante,um conflito: lá estão o vilão Ivan, a protagonista Helen e o desenrolar tenso da relação abusiva entre eles. </span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-1-7fEknKi-c/Xs1-kc6ExSI/AAAAAAAABVM/bFrWaAWSYmId8MsvCb8cnjkmxpDIPR2KwCLcBGAsYHQ/s1600/FOTO%2Bde%2BRos%25C3%25A2ngela.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" data-original-height="450" data-original-width="299" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-1-7fEknKi-c/Xs1-kc6ExSI/AAAAAAAABVM/bFrWaAWSYmId8MsvCb8cnjkmxpDIPR2KwCLcBGAsYHQ/s320/FOTO%2Bde%2BRos%25C3%25A2ngela.jpg" width="212" /></span></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Ainda que parte da narrativa dê-se de modo diverso dessa do relato pessoal, podemos dizer que esse romance de Rosângela se enquadra [ah, nossa mania de enquadrar tudo!]num gênero que teve seu auge no século XVIII, o chamado romance epistolar, mas que, modernamente, continuou a ser praticado por grandes escritores, como Lúcio Cardoso (Crônica da casa assassinada), Alice Walker (A cor púrpura) e Amos Oz (A caixa preta). Em Nenhum espelho reflete seu rosto, no lugar de cartas e bilhetes, usados em outros tempos, temos o moderno e ágil recurso do e-mail. Embora Helen se recuse a travar um diálogo com o Dr. Jorge Campos, nos moldes de uma análise,a escrita desses e-mails serve como meio de ela se curar, de purgar o passado sombrio e se livrar, de uma vez por todas, dos sentimentos em relação a Ivan que ainda a assombram. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">O universo da joalheria e da ourivesaria nos é apresentado de modo preciso e apaixonado nesse romance da mineira radicada em Brasília Rosângela Vieira Rocha, indo da seleção das pedras preciosas à lapidação das mesmas. Aos olhos da ourives e designer Helen[que herdou do pai a paixão pela joalheria e, da mãe, o hábito de ler e escrever], essa atividade artesanal insere-se no contexto da arte, da busca da beleza pelo apuro técnico e criativo. “A joalheria é mesmo uma profissão de sonho. Em que outro ofício eu poderia sentir essa plenitude, essa alegria por criar a beleza? Sim, existem outros tipos de beleza, mas nada que se compare à dessa arte milenar.” [pág. 175] É esse estado de entrega total à sua criação que nos desperta empatia em relação à protagonista, que, de outra maneira, poderia se constituir em um ser vazio, superficial, ligado apenas a um mundo de luxo e ostentação.Helen é inspirada e generosa, aberta ao encantamento e ao amor, e essas são características que vão, infelizmente, facilitar sua sedução por parte do narcisista Ivan.E a experiência será traumática: “Dolorida e contraditoriamente fortalecida, nunca mais fui a mesma. Ninguém sai incólume do convívio com um perverso, a subespécie humana mais letal que existe”. [pág. 263] Seguir o seu doloroso relato, que se dá ainda num ato de extrema vontade de ajudar o outro, é algo que nos humaniza e alerta para os constantes perigos que nos rondam. Sem complicações narrativas, com linguagem enxuta e direta, Rosângela nos convida a mergulhar na terrível história vivida por Helen, que é, em suma, a história de frustração e dor vivida por milhares de mulheres mundo afora. É, de certo modo, uma história de superação e compartilhamento dessa superação. Uma história que nos ilumina e nos inspira a continuar vivendo apesar do mal que teima em nos abater.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: xx-small;">[Resenha publicada, originalmente, no <a href="https://www.jornalopcao.com.br/opcao-cultural/romance-de-rosangela-vieira-rocha-narra-historia-de-um-amor-que-fere-e-traumatiza-208096/#:~:text=Cr%C3%ADtica-,Romance%20de%20Ros%C3%A2ngela%20Vieira%20Rocha%20narra%20hist%C3%B3ria,amor%20que%20fere%20e%20traumatiza&text=Todos%20n%C3%B3s%20estamos%20sujeitos%20a,vantagens%20por%20meio%20da%20fraude.">.JORNAL OPÇÃO</a>]</span></i></div>
Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-17801227439107759342020-05-12T15:25:00.001-07:002020-05-12T15:28:32.048-07:00Bate-papo sobre poema em prosa<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="font-size: large;"><iframe allowfullscreen="" class="YOUTUBE-iframe-video" data-thumbnail-src="https://i.ytimg.com/vi/hyfRCP2Ds0M/0.jpg" frameborder="0" height="266" src="https://www.youtube.com/embed/hyfRCP2Ds0M?feature=player_embedded" width="320"></iframe></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="font-size: large;"><br /></span></div>
Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-44959749494237161852020-03-25T12:54:00.000-07:002020-07-18T15:36:46.994-07:00Uma narrativa que nos arrasta para junto do personagem<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-CVEPpDiKRVk/Xnu1Zay4_YI/AAAAAAAABSw/yWSrBZ-gfjUluMcJix8ZxVVYn8TmRncZQCLcBGAsYHQ/s1600/FOTO%2BCAPA%2BDO%2BLIVRO%2BENQUANTO%2BOS%2BDENTES.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><img border="0" data-original-height="1334" data-original-width="750" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-CVEPpDiKRVk/Xnu1Zay4_YI/AAAAAAAABSw/yWSrBZ-gfjUluMcJix8ZxVVYn8TmRncZQCLcBGAsYHQ/s400/FOTO%2BCAPA%2BDO%2BLIVRO%2BENQUANTO%2BOS%2BDENTES.jpg" width="223" /></span></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><span style="line-height: 150%;"><o:p> </o:p></span><b>Por Geraldo Lima</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">O tema do retorno à casa paterna, ou
ao antigo lar, perpassa a história da literatura desde os seus primórdios.
Começa na Odisseia, poema épico de Homero, com o herói grego Odisseu retornando
[ou tentando retornar] ao seu lar em Ítaca, após dez anos de guerra contra os
troianos. Séculos depois, aparece no livro sagrado dos cristãos, mais
especificamente no Evangelho de Lucas, na Parábola do Filho Pródigo [Lucas
15:12-32]; depois, em nossa era, já na moderna literatura brasileira, é tema
tratado com vertiginoso lirismo no romance Lavoura arcaica, de Raduan Nassar,
e, com realismo cravado de sarcasmo, no romance Allegro ma non tropo, da
escritora brasiliense Paulliny Tort. Agora, apresenta-se como a espinha dorsal
que sustenta os dois eixos temporais, presente e passado, no belo romance de
estreia de Carlos Eduardo Pereira, Enquanto os dentes [Todavia, 2017, 93
páginas], que, para coroar o seu êxito, já é semifinalista do Prêmio Oceanos
2018 e finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2018, na categoria melhor
livro do ano de romance – autor estreante com mais de 40 anos. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">Para efeito de comparação, ou de
contraponto a outras obras de abordagem temática semelhante ao romance de
Carlos Eduardo Pereira, fiquemos, a princípio, com a Parábola do Filho Pródigo
e com o romance Lavoura arcaica, obras que tratam, ainda que de modo diferente,
sobre o retorno do filho à casa paterna. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">No texto do evangelista Lucas, o
filho decide, por si mesmo, retornar à casa dos pais após dissipar todo o
dinheiro que lhe foi dado assim que partiu para viver a vida ao seu modo e sem
regramento. Retorna, portanto, falido e em busca do perdão paterno. Por um
lance de sorte ou por ação divina, é recebido com festa pelos pais, ainda que
contrariando o primogênito, que ficara e labutara ao lado do pai o tempo todo.
Já no livro de Raduan Nassar, o filho fujão, assim André é mencionado, retorna
à casa dos pais sob a guarda do irmão mais velho, Pedro, que cumpria o dever de
levá-lo de volta. Não retorna, portanto, de livre e espontânea vontade. Não
traz, também, nenhum sinal de conquista material resultante dessa fuga e desse
enfrentamento do mundo fora dos domínios da casa comandada pela severa
disciplina religiosa do pai. Se fugiu para se livrar do que o atormentava, o
desejo reprimido pela irmã, retorna ainda mais tomado por ele e em completa
possessão. No texto bíblico, o filho pródigo encontra acolhida e compreensão
por parte dos pais; no romance de Raduan, o retorno de André será marcado pelo
confronto ao poder conservador do patriarca e pela tragédia que atinge a
família. No romance Enquanto os dentes, o protagonista Antônio, que havia
deixado a casa dos pais há 20 anos, logo após abandonar a Escola Nacional da
Armada, para onde fora mandado com o objetivo de se formar oficial da Marinha,
retorna completamente falido financeiramente, limitado no seu poder de
locomoção e sem a certeza de que irá encontrar uma acolhida favorável, já que
terá diante de si a figura conservadora e autoritária do pai militar. Da mãe,
religiosa, resignada e obediente às vontades do marido, pode-se esperar ainda
algum afeto e boa acolhida, mas nada está garantido claramente. Nesse sentido,
ainda que apresente um angustiante final em aberto, é com o romance Lavoura arcaica,
de Raduan Nassar, que o seu livro guarda maior parentesco quanto ao destino do
protagonista, que, para desgosto do pai, é homossexual e artista.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">A TEMÁTICA E SUA ABRANGÊNCIA <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">Obviamente que o romance Enquanto os
dentes não aborda apenas o tema do retorno do filho pródigo à casa paterna.
Esse é só consequência do estado físico limitado e da debilidade financeira em
que o protagonista se encontra. Outros temas de suma importância estão
presentes, entre eles a questão da homossexualidade, da construção de uma
identidade individual, da mobilidade urbana para pessoas deficientes, o uso da
memória como fio condutor da narrativa etc. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">Essa homossexualidade, que Antônio
procura não demonstrar ostensivamente, se manifestou desde cedo, o que lhe
criava problemas com o pai conservador, como da vez em que, tentando
reproduzir, junto a um grupo de garotos na rua, o modo entusiasmado com que o
pai falava do piloto Nelson Piquet, “aquele, sim, que era um macho de verdade.
Brigão, mulherengo e bom piloto” [pág. 13], acaba se excedendo nos trejeitos e
virando motivo de chacota de todos ali. [Talvez por isso, na vida adulta, tenha
se tornado reservado e discreto, tanto no modo de se vestir quanto no de
portar-se.] Além de ser castigado fisicamente pelo pai, como dessa vez, passa a
ser também motivo de desgosto para ele. “Lembra da cara do Comandante, incapaz
de disfarçar o desgosto pelo filho que não se virava muito bem com aquelas
questões” [pág. 33]. Aí se referindo ao universo da navegação e da sua relação problemática
com o mar, logo ele que, segundo os desejos do pai, devia servir à Marinha
brasileira. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>No ambiente da Escola da
Armada, como era de se prever, ele também se sentirá oprimido e será motivo de
piada em relação à sua sexualidade e ao seu modo de ser. “Ele era um cara
educado demais...” [pág. 51]. Só quando abandona esses dois ambientes, a casa
dos pais e a Escola, é que se sentirá livre de fato e poderá dar vazão à sua
verdadeira personalidade, que terá na arte um meio de expressão.</span></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-4HVMYl1myh8/Xnu1pwQP4pI/AAAAAAAABS0/uXJ3iDfI_BoQEi4Y6XKVm8PO0-2iDCQRgCLcBGAsYHQ/s1600/FOTO%2BDE%2BCARLOS%2BEDUARDO%2BPEREIRA%252C%2BESCRITOR2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1600" data-original-width="1273" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-4HVMYl1myh8/Xnu1pwQP4pI/AAAAAAAABS0/uXJ3iDfI_BoQEi4Y6XKVm8PO0-2iDCQRgCLcBGAsYHQ/s320/FOTO%2BDE%2BCARLOS%2BEDUARDO%2BPEREIRA%252C%2BESCRITOR2.jpg" width="254" /></a></span></div>
<span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"> <o:p></o:p></span><br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">A sua identidade individual se forjou
nesses ambientes hostis, que o obrigaram a criar estratégias de sobrevivência,
ora se mostrando dócil e fraco, ora rebelde e forte. Se parece ser um cara
correto, amigável, hospitaleiro, houve momento, no entanto, em que foi capaz de
dedurar um companheiro de Escola por pura vingança, por ele lhe ter causado uma
punição. “Menos por ter ficado na Escola impedido e mais por um desejo de se
vingar, na semana seguinte, na capela, acabou contando em confissão ao padre do
fundo falso no armário onde Nascimento vez ou outra escondia uns papelotes de cocaína
trazidos para ele, com certa frequência, por um terceiro sargento lotado no
paiol” [pág. 63]. O ser reservado, contido, também o manterá fora do olhar
vigilante e condenador dos outros. De certo modo, parece não estar no mundo
para levantar bandeiras, sejam de que natureza for.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><span style="mso-spacerun: yes;"><br /></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">No momento em que a narrativa se
inicia, Antônio já está na rua, seguindo em direção ao terminal das barcas. É a
partir desse ponto que vamos segui-lo em sua trajetória até se aproximar da
casa dos pais. Essa chegada, aliás, vai sendo protelada por ele, ao tomar
pequenos desvios e ao demorar em alguns lugares. Assim, percebemos o quanto é
difícil e angustiante para ele empreender essa jornada. Nesse percurso, que é
narrado no presente e dura apenas algumas horas de uma sexta-feira, ele
encontra pequenos obstáculos que dificultam sua locomoção, os quais ele vence
sozinho ou com a ajuda de terceiros. Sem fazer disso um dramalhão, o autor vai
expondo as dificuldades por que passam os cadeirantes, assim como mostra,
também, o que já há de acessibilidade nas ruas. De modo muito sutil, o livro
funciona como um manual de como lidar com pessoas em situação de cadeirante,
evitando tomá-las por incapazes de se virarem sozinhas. Nesse trajeto, Antônio
encontra alguns antigos conhecidos, que, juntamente com o narrador, têm a
função de nos revelar passagens da sua vida, na infância ou na Escola, ligadas
à sua homossexualidade. É aí que vemos o quanto de pressão ele sofreu enquanto
esteve nesses ambientes marcados pela disciplina severa e o conservadorismo.
Essa sua pequena odisseia, ainda que sem os grandes incidentes da homérica,
mostra-se grandiosa pelo esforço empreendido por ele, tanto para se deslocar no
espaço físico, nem sempre adequado para a sua condição de deficiente, quanto no
de manter-se equilibrado psicologicamente, embora a situação lhe seja
desfavorável.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">É do entrelaçar de passado e
presente, do buscar na memória elementos que nos permitem enxergar o personagem
em sua inteireza, ainda que de modo gradativo, que se compõe a estrutura do
romance de Carlos Eduardo Pereira. Enquanto Antônio se desloca no presente, em
sua cadeira de rodas, o passado vai sendo recuperado aos poucos, ora dividindo
espaço com o presente num mesmo parágrafo, ora compondo sozinho um parágrafo ou
mais. O narrador onisciente nos dá conta, nesse ir e vir, do presente ao
passado, dos aspectos que formaram ou deformaram a personalidade do
protagonista. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">SUTILEZAS ADOTADAS PELO AUTOR NA
COMPOSIÇÃO DO TEXTO<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">Carlos Eduardo Pereira, nesse seu
livro de estreia, dá mostras de ser já autor veterano, tal a habilidade com que
tece a narrativa, costurando passado e presente, num enredo não-linear, sem, no
entanto, torná-lo confuso. O narrador em 3ª pessoa, que parece estar colado ao
personagem como se fosse alguém que empurrasse a sua cadeira de rodas, é também
um achado. Ele nos faz estar ali também, seguindo Antônio de perto no seu
retorno à casa dos pais. “Antônio sempre achou esta praça interessante” (pág.
6), diz o narrador a certa altura, como se a apontasse com o dedo.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Um elemento que poderia deixar o texto chato
e pesado [as minuciosas descrições de espaços e objetos, como a do terminal das
barcas e a da cadeira de rodas] é desenvolvido com leveza e agilidade, sem
travar o escoar das ações.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Mas, em
contraponto a isso, temos, em relação à caracterização do protagonista, e de
outros personagens, uma outra estratégia, ou seja, a da apresentação indireta
do personagem.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Assim, sabemos bastante e
de uma vez só sobre como funciona o terminal das barcas, como é constituída a
barca, sobre a engrenagem da cadeira de rodas importada da Alemanha, mas muito
pouco sobre Antônio assim logo de início. O autor dilui, ao longo da narrativa,
as informações que compõem o caráter, os aspectos físicos e psicológicos do
protagonista. Desse modo, só aos poucos vamos tendo acesso aos elementos de
caracterização que nos permitem montar integralmente a sua figura. Só vamos
saber, por exemplo, da cor da pele de Antônio na página 39: “... e Antônio
tecnicamente é mulato, já que o Comandante é branco e a mãe é preta”. [A
questão racial, como poderia parecer aqui, não será tema desenvolvido pelo
autor. O personagem não vivencia, em relação a esse aspecto, nenhum caso de
discriminação.]<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Da homossexualidade de
Antônio vamos nos inteirando aos poucos também, ainda que o narrador vá
deixando pistas que apontam para essa orientação sexual. Ou seja, não é dito ao
leitor, logo de início, que o protagonista é homossexual, que teve esse ou
aquele caso. O leitor vai pegando cada uma dessas informações e vai montando a
história e o retrato do personagem. Isso obriga-o a manter uma atenção maior
caso queira, de fato, ter uma ideia precisa sobre a natureza dos
personagens.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><span style="mso-spacerun: yes;"><br /></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">Enquanto os dentes é romance de
narrativa fluida, sem excessos, que nos cativa desde o início, não nos
permitindo abandonar o personagem enquanto ele retorna fracassado para o antigo
lar. É essa história de tentativa de se firmar no mundo e de fracasso ao final,
que Carlos Eduardo nos apresenta com rigor técnico e estética refinada, sem deixar,
no entanto, que o leitor, ao término da leitura, abstenha-se da reflexão
crítica sobre o destino do ser humano.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><span style="mso-spacerun: yes;"><br /></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif; font-size: x-small;"><i>[Resenha publicada, originalmente, no caderno de cultura do <a href="https://www.jornalopcao.com.br/opcao-cultural/narrativa-de-carlos-eduardo-pereira-nos-arrasta-para-junto-do-personagem-172601/">JORNAL OPÇÃO</a>] <o:p></o:p></i></span></span></div>
<br />Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-45931756464362359312020-01-24T14:15:00.000-08:002020-01-24T14:15:39.437-08:00Lucky, um filme imperdível<div class="kvgmc6g5 cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="background-color: white; margin: 0px; overflow-wrap: break-word;">
<div class="separator" style="clear: both; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; text-align: center; white-space: pre-wrap;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-uTY6mbSCInc/Xitop6NTFPI/AAAAAAAABRg/vzyjSpOIBpEZQw31Vbcxg9npLNHtFeEoQCLcBGAsYHQ/s1600/IMAGEM%2BDE%2BLUCKY%2B3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1200" data-original-width="849" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-uTY6mbSCInc/Xitop6NTFPI/AAAAAAAABRg/vzyjSpOIBpEZQw31Vbcxg9npLNHtFeEoQCLcBGAsYHQ/s400/IMAGEM%2BDE%2BLUCKY%2B3.jpg" width="282" /></a></div>
<div dir="auto" style="color: #050505; white-space: pre-wrap;">
<div style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Por Geraldo Lima</span></b></div>
</div>
<div dir="auto">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #050505; white-space: pre-wrap;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; color: #050505; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; white-space: pre-wrap;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Lucky, de John Carroll Lynch, é um filme que nos trinca o coração,
tamanho o grau de humanidade que ele irradia, e nos força, esteticamente, a
mergulhar na vida do personagem e emergir dali com a alma repleta de afetos e
beleza.</span></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="color: #050505; font-family: Verdana, sans-serif;">O filme é de 2017 e passou batido diante do olhar dos principais prêmios
da indústria cinematográfica, mais especificamente o do Oscar, que ignorou a
magistral interpretação de Harry Dean Stanton, que, aos 90 anos de idade,
encarnou, com finesse e paixão, a vida de um homem também nos seus 90 anos, o
cético e ranzinza Lucky. O corpo de Lucky/Stanton está definhando, dando sinais
de que pode desabar a qualquer momento [o de Lucky, de fato, desaba em
determinado momento, alertando-o de que o fim está próximo], mas o espírito
mantém-se vivo, intenso, como se pudesse avançar ainda por décadas e décadas.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="color: #050505; line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="color: #050505; line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Lucky, embora pessimista e ranzinza, está cercado de afeto, e, no
lugarejo em que vive, num desses lugares esquecidos do interior dos Estados
Unidos, com cara de velho Oeste, não passa despercebido. Vive sozinho, mas não
é um solitário, como ele mesmo defende. Poderia ser um tipo apenas folclórico,
mas sua radicalidade existencial e seu discurso filosófico à la Cioran
afastam-no do puro tipo e nos entrega um ser complexo, cujo ato de viver nos
emociona e nos humaniza. Sua rotina, que parece que vai sempre dar em nada,
deságua em encontros em que a vida, naquele vilarejo, mostra-se mais intensa e
rica que em qualquer grande centro urbano.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="color: #050505; line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="color: #050505; line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Lucky é o primeiro filme de John Lynch como diretor, até então apenas um
ator coadjuvante. E ele acerta de primeira. A obra que ele entrega ao público é
recheada de poesia e sutilezas narrativas. Há que se ter paciência para seguir
a rotina do protagonista, despida de eventos mirabolantes e violentos, e olhar
agudo para perceber a riqueza estética e de conteúdo que o filme apresenta. É
assistir e se emocionar. E rir também, já que o filme tem elementos de comédia.
E a genial interpretação de Stanton nos leva de uma ponta a outra do espectro
de emoções. Com este filme, ele encerrou brilhantemente sua carreira de ator:
Harry Dean Stanton faleceu sem ver a estreia do filme. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="color: #050505; line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="color: #050505; line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Minha gente, em tempos tão torpes quanto este em que vivemos, só podemos
salvar nossa humanidade, nos reabastecermos de esperança, com a fruição de
obras de arte como essa, obras de arte essenciais, obras de arte que nos dão
vontade de celebrar a vida sempre sempre sempre...</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></span></div>
</div>
</div>
</div>
Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-9959777839319019912020-01-07T13:03:00.000-08:002020-01-07T13:15:13.817-08:00Algumas palavras sobre a Jornada Literária do Distrito Federal 2019: Ignácio de Loyola Brandão e este que vos fala<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe allowfullscreen="" class="YOUTUBE-iframe-video" data-thumbnail-src="https://i.ytimg.com/vi/DHZro3wEMdw/0.jpg" frameborder="0" height="266" src="https://www.youtube.com/embed/DHZro3wEMdw?feature=player_embedded" width="320"></iframe></div>
Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-83790515286183591892019-12-26T14:23:00.000-08:002020-07-18T15:33:19.977-07:00Romance de Cinthia Kriemler nos convida ao mergulho nos abismos da alma humana<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-nuswRnn95BM/XgUwRvixnCI/AAAAAAAABRM/HBn4aqCuMFsGDKWDGAB_3ETlfjBH8tehQCLcBGAsYHQ/s1600/CAPA%2BDO%2BLIVRO%2BDE%2BCINTHIA.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="407" data-original-width="309" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-nuswRnn95BM/XgUwRvixnCI/AAAAAAAABRM/HBn4aqCuMFsGDKWDGAB_3ETlfjBH8tehQCLcBGAsYHQ/s400/CAPA%2BDO%2BLIVRO%2BDE%2BCINTHIA.jpg" width="302" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">Por Geraldo Lima</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><i><span style="line-height: 150%;">Todos os Abismos convidam para um mergulho,</span></i><span style="line-height: 150%;"> romance de Cinthia Kriemler
publicado pela Editora Patuá em 2017, não é um livro de leitura fácil. Não que
apresente, em relação à linguagem ou à construção frasal, maiores dificuldades
para a fruição da leitura. O texto é costurado, na sua grande extensão, com
frases curtas, diretas, sem malabarismos verbais. Nada de linguagem poética,
tudo muito seco, sem rodeios, calcado num realismo brutal. Como um soco. É isso: a narrativa adotada por
Cinthia quer, na verdade, funcionar como um soco que desperte a consciência do
leitor! A narrativa quer, enfim, arrastar sem titubeios esse leitor para dentro
da zona nebulosa e trágica da protagonista. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><span style="line-height: 150%;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">É aí que a coisa se complica, que a
leitura torna-se uma prova de fogo, exigindo do leitor ou da leitora nervos de
aço, estômago para digerir situações de violência das quais temos conhecimento,
muitas das vezes, apenas pelos jornais ou por conversas de terceiros. Essas
narrativas, sem nos forçar a um mergulho profundo no tormento mental e no dia a
dia da personagem, mantêm-nos ainda numa posição bastante confortável. E é essa
posição de conforto que a narrativa de Cinthia nos tira. E aqui chegamos a mais
uma das razões de ser da literatura: levar-nos até o mais fundo da alma
humana. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">Cinthia Kriemler, nascida no Rio de
Janeiro mas residindo em Brasília desde 1969, já está no seu quinto livro
publicado, sendo que o quarto, <i>Na
escuridão não existe cor-de-rosa</i> (contos, Editora Patuá, 2015), foi
semifinalista do Prêmio Oceanos 2016. <i>Todos
os abismos convidam para um mergulho</i> é seu primeiro romance. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">Narrado em primeira pessoa pela
protagonista Beatriz, uma assistente social com sérios problemas pessoais, o
romance nos apresenta, sem suavizar o discurso, a realidade sombria e trágica
de mulheres e crianças que sofrem violência doméstica e abusos sexuais. Além
desse contexto social em que Beatriz atua como profissional, numa casa abrigo,
temos acesso também ao universo das suas relações pessoais e afetivas, com
todos os conflitos que lhe atormentam a alma: a perda da filha para a
depressão, a relação ambígua com o ex-marido Bernardo, os atritos com a mãe e o
irmão e os encontros sexuais estéreis com estranhos. </span></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-oaQRqhohFwk/XgUxDkFOkeI/AAAAAAAABRU/u9BQO6FvfZQi4FCkZOroNwKG9nH9dR6LQCLcBGAsYHQ/s1600/FOTO%2BCINTHIA%2BKRIEMLER.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="640" data-original-width="960" height="213" src="https://1.bp.blogspot.com/-oaQRqhohFwk/XgUxDkFOkeI/AAAAAAAABRU/u9BQO6FvfZQi4FCkZOroNwKG9nH9dR6LQCLcBGAsYHQ/s320/FOTO%2BCINTHIA%2BKRIEMLER.jpg" width="320" /></a></span></div>
<span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"> <o:p></o:p></span><br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">A narrativa ocorre, na maior parte do
tempo, no presente, um presente asfixiante e que não deixa brechas para o
ingresso num futuro de redenção e paz. Quando se descola desse tempo presente,
a narrativa descortina aos nossos olhos a vida pregressa da
narradora-personagem, com seu passado traumático, e a causa de seu lento e
progressivo mergulho no abismo do vício, tanto das drogas quanto do sexo. Essa
estratégia de narrativa adotada por Cinthia não permite ao leitor o
distanciamento que uma narrativa no tempo passado poderia propiciar, com a
ideia de que tudo são fatos passados. O tormento da personagem Beatriz é algo
que acontece agora, neste exato momento, diante dos olhos do leitor ou da
leitora, enquanto a narrativa se desenrola. “Nem eu sei de onde vem esta raiva.
Eu não sou assim. Nunca me exaltei desse
jeito. Tenho que respirar fundo. Daqui a uns minutos vou conversar com esse
sujeito anormal” (pág. 44). <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">Beatriz não é do tipo que podemos
alçar facilmente à categoria de heroína. É, antes de tudo, uma anti-heroína.
Incumbida de salvar vidas humanas, ela própria precisa ser salva das ruínas em
que sua vida pessoal está soterrada. Sua compulsão sexual leva-a aos mais
degradantes ambientes, dos quais retorna ainda mais insatisfeita. É também uma representante da classe média
com suas fissuras e vazios. Uma mulher branca, com livre trânsito na sociedade,
mas que sempre vai dar num beco sem saída ao fraquejar e ceder ao vício. Muito pouco nela nos desperta simpatia. A sua
existência paradoxal nos atordoa, levando-nos da compaixão à raiva em poucos
segundos. Como pode alguém, cuja função é resgatar pessoas soterradas nos
escombros da violência, descer às vezes tão baixo em busca de satisfação para
um desejo que é só válvula de escape? “Bunker. É a única palavra no néon vulgar
iluminando a porta de entrada para o inferno. Os degraus estreitos, sujos,
convenientes. Barro, cuspe, vômito, bebidas. Uma gosma permanente que mais
nenhuma água limpa. (...) Um cigarro. A mão que acende o cigarro. Grande,
suada. O corpo roçando o meu. Por trás. O cheiro de bebida, de maconha” (pág.
109). Mas aí, lembrando-nos da sua infância traumática, marcada por abusos, do
remorso que lhe corrói a consciência pelo que aconteceu à filha Laura, do quão
desgastante é a lida com o sofrimento alheio [sem a expectativa, às vezes, de
obter sucesso], da própria complexidade da existência humana e de que não
devemos esquecer “a variedade do mundo
humano e de sua vida psíquica”, como nos alertou Freud no seu <i>O mal-estar na cultura</i>, então,
lembrando-nos disso tudo, conseguimos vislumbrar uma Beatriz humana, retratada
em plena vertigem da sua queda. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">E é por apresentar “o poder de
comunicar umas almas com as outras”, como queria Lima Barreto para a
literatura, e por nos convidar a esse mergulho em águas tão tormentosas, em que
a vida humana borbulha intensa e inquietante, tirando-nos da zona de conforto,
que vale a pena ler esse primeiro romance de Cinthia Kriemler. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><span style="mso-spacerun: yes;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana" , sans-serif; font-size: x-small;"><span style="mso-spacerun: yes;"><i>[Texto publicado, originalmente, no <a href="https://www.jornalopcao.com.br/opcao-cultural/romance-de-cinthia-kriemler-nos-convida-ao-mergulho-nos-abismos-da-alma-humana-132921/">JORNAL OPÇÃO</a> e no <a href="https://issuu.com/suplementoliterariodeminasgerais/docs/suplementojaneirofevereiro2019">SUPLEMENTO LITERÁRIO DE MINAS GERAIS</a>]</i></span></span></div>
<br />Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-18274163857394494522019-12-20T15:51:00.001-08:002019-12-20T16:03:33.520-08:00Participação na Jornada Literária do Distrito Federal 2019 - Gama<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-IiUXTeRcYto/Xf1aRNsUWEI/AAAAAAAABPw/MSx0260k_7crgVZmkmwgujoAYg1_6IbcgCLcBGAsYHQ/s1600/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-20.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="786" data-original-width="1181" height="265" src="https://1.bp.blogspot.com/-IiUXTeRcYto/Xf1aRNsUWEI/AAAAAAAABPw/MSx0260k_7crgVZmkmwgujoAYg1_6IbcgCLcBGAsYHQ/s400/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-20.JPG" width="400" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-7ml6hUMbra4/Xf1aV2ypvZI/AAAAAAAABP0/4pm7uWfQnrkdlQtGTl7xwPHOrfGlc2YFACLcBGAsYHQ/s1600/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-22.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1181" data-original-width="786" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-7ml6hUMbra4/Xf1aV2ypvZI/AAAAAAAABP0/4pm7uWfQnrkdlQtGTl7xwPHOrfGlc2YFACLcBGAsYHQ/s320/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-22.JPG" width="212" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-hVilYQ2-I2k/Xf1aZ9b16aI/AAAAAAAABP4/XV8QWjJSEewKIH6yHs-tJadkQTftwKOXACLcBGAsYHQ/s1600/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-7.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="786" data-original-width="1181" height="265" src="https://1.bp.blogspot.com/-hVilYQ2-I2k/Xf1aZ9b16aI/AAAAAAAABP4/XV8QWjJSEewKIH6yHs-tJadkQTftwKOXACLcBGAsYHQ/s400/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-7.JPG" width="400" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-EAnUN6eDw0g/Xf1ae0ZQKYI/AAAAAAAABP8/ecZhCb7iJIkNhB27BTeQLTeO1LqUNtSDgCLcBGAsYHQ/s1600/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-23-1.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="786" data-original-width="1181" height="212" src="https://1.bp.blogspot.com/-EAnUN6eDw0g/Xf1ae0ZQKYI/AAAAAAAABP8/ecZhCb7iJIkNhB27BTeQLTeO1LqUNtSDgCLcBGAsYHQ/s320/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-23-1.JPG" width="320" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-ZnW0fGGAUp4/Xf1ai9UvVHI/AAAAAAAABQE/kgpohbn0S-cNIFFb1DwkrieJq-7orkDagCLcBGAsYHQ/s1600/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-5.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="786" data-original-width="1181" height="265" src="https://1.bp.blogspot.com/-ZnW0fGGAUp4/Xf1ai9UvVHI/AAAAAAAABQE/kgpohbn0S-cNIFFb1DwkrieJq-7orkDagCLcBGAsYHQ/s400/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-5.JPG" width="400" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-ki8sM5BekWM/Xf1an3xlNQI/AAAAAAAABQM/d8XZZUHd8wQ0ZWzAcPfMux7JY8g-cTdWgCLcBGAsYHQ/s1600/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-16.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="786" data-original-width="1181" height="212" src="https://1.bp.blogspot.com/-ki8sM5BekWM/Xf1an3xlNQI/AAAAAAAABQM/d8XZZUHd8wQ0ZWzAcPfMux7JY8g-cTdWgCLcBGAsYHQ/s320/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-16.JPG" width="320" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-PpfwOBgK3C0/Xf1ate-Cp2I/AAAAAAAABQQ/4Vsgnbu7CqAv2kuHtiX2nFRtR7KzlvJ3ACLcBGAsYHQ/s1600/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-29.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="786" data-original-width="1181" height="265" src="https://1.bp.blogspot.com/-PpfwOBgK3C0/Xf1ate-Cp2I/AAAAAAAABQQ/4Vsgnbu7CqAv2kuHtiX2nFRtR7KzlvJ3ACLcBGAsYHQ/s400/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-29.JPG" width="400" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-u7292jvLAs4/Xf1aywXe05I/AAAAAAAABQc/bvcYgrKWGS8VLmPUEO_U2_mTejc3eKpHQCLcBGAsYHQ/s1600/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-4.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="786" data-original-width="1181" height="212" src="https://1.bp.blogspot.com/-u7292jvLAs4/Xf1aywXe05I/AAAAAAAABQc/bvcYgrKWGS8VLmPUEO_U2_mTejc3eKpHQCLcBGAsYHQ/s320/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-4.JPG" width="320" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-FwtKqOlLNbE/Xf1a4P7spkI/AAAAAAAABQg/eT05iYRca-Y6_4U0pk_rrayNbJeuVHtDwCLcBGAsYHQ/s1600/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-28-1.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="786" data-original-width="1181" height="265" src="https://1.bp.blogspot.com/-FwtKqOlLNbE/Xf1a4P7spkI/AAAAAAAABQg/eT05iYRca-Y6_4U0pk_rrayNbJeuVHtDwCLcBGAsYHQ/s400/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-28-1.JPG" width="400" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-WrF9HcPifig/Xf1a-5V00zI/AAAAAAAABQo/SUxKE58asb4RCHV79uLjuGE4ufhYhJwfwCLcBGAsYHQ/s1600/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-31.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="786" data-original-width="1181" height="212" src="https://1.bp.blogspot.com/-WrF9HcPifig/Xf1a-5V00zI/AAAAAAAABQo/SUxKE58asb4RCHV79uLjuGE4ufhYhJwfwCLcBGAsYHQ/s320/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-31.JPG" width="320" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-SPCmMv7VeEY/Xf1bHJ9fgHI/AAAAAAAABQs/k04gmsJHpX85ptMdbvxB3MYRtdKlCWaPACLcBGAsYHQ/s1600/IMG-20191028-WA0004.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1280" data-original-width="960" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-SPCmMv7VeEY/Xf1bHJ9fgHI/AAAAAAAABQs/k04gmsJHpX85ptMdbvxB3MYRtdKlCWaPACLcBGAsYHQ/s400/IMG-20191028-WA0004.jpg" width="300" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-aoQGR8P6uzQ/Xf1bNSNPyDI/AAAAAAAABQw/Bu6QP5kdhuQx25fGTQ9BXC8glUsTe2xjwCLcBGAsYHQ/s1600/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-32.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1181" data-original-width="786" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-aoQGR8P6uzQ/Xf1bNSNPyDI/AAAAAAAABQw/Bu6QP5kdhuQx25fGTQ9BXC8glUsTe2xjwCLcBGAsYHQ/s320/Copy%2Bof%2BGeraldo%2BLima%2B_internet_28-10-2019_Foto%2BAndressa%2BAnholete-32.JPG" width="212" /></a></div>
<br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: x-small;"><i>[fotos: Cícero Bezerra]</i></span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: x-small;"><i> [Organização/realização da Jornada Marilda Bezerra e João Bosco Bezerra Bonfim]</i></span>Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-31124568165825176682019-04-22T07:09:00.000-07:002019-04-22T07:09:57.386-07:00A vida como uma busca infindável<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-s3mRYA8mKD0/XL3IB5spT9I/AAAAAAAABN0/JeuaDMtNo5EYQzoGZK0OKqNVmvQtO6hhgCLcBGAs/s1600/CAPA%2BDE%2BALLEGRO....jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="395" data-original-width="251" height="400" src="https://4.bp.blogspot.com/-s3mRYA8mKD0/XL3IB5spT9I/AAAAAAAABN0/JeuaDMtNo5EYQzoGZK0OKqNVmvQtO6hhgCLcBGAs/s400/CAPA%2BDE%2BALLEGRO....jpg" width="252" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Por Geraldo Lima</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">Allegro ma non troppo</i> (editora Oito e
Meio, 2016) é o primeiro romance da escritora e jornalista brasiliense
Paulliny Gualbert Tort, que até então só se aventurara no conto, com participação
em antologias e publicações em revistas e sites.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">A história contada
no livro é ambientada, na sua maior parte, em Brasília e arredores, mas leva o
leitor também ao ambiente exótico e cativante da Chapada dos Veadeiros, em
Goiás. É narrativa ágil e de grande movimentação, que não deixa o leitor cair
em pasmaceira. Aborda, em linhas gerais, o tema da busca pelo filho desgarrado.
Outros temas, no entanto, estão presentes, como o conflito familiar, a
incapacidade de se ligar afetivamente a alguém, a busca por um sentido verdadeiro
para a vida etc. Não escapa também à escrita em tom mordaz de Paulliny um
retrato crítico e esmaecido do modo de vida da classe média, principalmente a
que habita nas entrequadras do Plano Piloto.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">O diálogo com outras narrativas, dos tempos
bíblicos aos atuais.<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Estreia de
sucesso na narrativa mais longa, esse primeiro romance de Paulliny Tort foi
semifinalista do Prêmio Oceanos 2017, um dos mais prestigiados prêmios
literários a contemplar autores de língua portuguesa. Sem dúvida, esse feito a
coloca como uma das escritoras contemporâneas que despontam como grande
promessa de que a escrita feminina (ou a literatura feita por mulheres)
firma-se de fato em terras tupiniquins. E esse acontecimento literário torna-se
mais instigante ainda quando constatamos que o romance de Paulliny traz como
narrador em primeira pessoa um homem, o protagonista Daniel. Ou seja, a jovem
autora, a partir do olhar masculino, desenvolve um tema que nos foi
apresentado, pela primeira vez, no Evangelho de Lucas. Trata-se da famosa
Parábola do Filho Pródigo [Lucas 15:12 – 32].Mas vamos ao que aproxima a
narrativa romanesca da jovem escritora brasiliense da narrativa bíblica, na
qual Jesus expõe seus ensinamentos, e o que as distancia ao mesmo tempo. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Em ambas as histórias,
há a figura do filho que decide, num determinado momento da vida, deixar a casa
dos pais e sair pelo mundo.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Na narrativa
do evangelista Lucas, é o filho mais moço que parte após receber do pai a sua
parte da herança. Na de Paulliny, é o filho mais velho (João) que parte, dois
anos antes da morte do pai, um Senador da República com o qual tinha uma
convivência conflituosa.[Aqui, é a mãe que se angustia com a partida e
posterior sumiço do filho.] Como é do conhecimento dos leitores do Novo
Testamento, o filho mais novo dissipa em farras o que recebeu como herança e,
em dificuldade financeira, retorna para a casa paterna em busca de perdão e
trabalho.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O antagonismo se dá, nesse
caso, em relação ao filho mais velho, que, tendo ficado o tempo todo ao lado do
pai, ajudando-o na lida diária, sente-se injustiçado ao vê-lo receber o filho
pródigo com festa. Na história criada por Paulliny, há também esse antagonismo
entre os irmãos João e Daniel, que vai sendo exposto ao longo da narrativa e se
acentua mais fortemente ao final. Será possível uma reconciliação entre eles? E
que mistérios prendem tão fortemente a mãe ao filho mais velho? No texto
bíblico, entendemos que a explicação comovente e sábia do pai tenha sido aceita
pelo filho indignado.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Há ainda, como
elemento complicador desse estranhamento entre os dois irmãos do romance <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Allegro ma non tropo</i>, o fato de Daniel
sentir-se menos acolhido pelo olhar dos outros por ser fisicamente diferente do
irmão. Nas palavras de Daniel, o fato de o irmão se parecer fisicamente com a
mãe, loira, alta, bonita, torna-o privilegiado e acima de qualquer suspeita,
enquanto ele, moreno e franzino, que se diz parecer com ninguém, figura-se suspeito,
por exemplo, ante o olhar dos porteiros. “O porteiro, novo no prédio, não me
deixou subir sem ser anunciado. Duvidou que eu fosse filho da madame.” Nesse
trecho, Paulliny deixa entrever um problema que afeta sobremaneira a população
negra no Brasil: a vigilância mais acirrada sobre o indivíduo negro, seja o de
pele mais escura, seja o de pele um pouco mais clara. Entrar em lugares mais
sofisticados, de classe média ou rica, só pelo elevador de serviço ou depois de
passar por severa revista. Embora a autora use a palavra “moreno” para
caracterizar a cor da pele de Daniel (caracterização rejeitada, hoje, por boa
parte da população afrodescendente), é nessa linha da questão racial que a
narrativa adentra.Mas, na realidade, sem ir além dessa insinuação de
discriminação racial, mesmo porque o foco da sua narrativa é outro: a busca
pelo filho desgarrado. E é nesse ponto que sua história envolvendo esse tipo de
busca, ou de tema, nos leva a outra história, esta pertencente à moderna
literatura brasileira. Trata-se do maravilhoso livro <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Lavoura arcaica</i>, de Raduan Nassar.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">No livro de
Paulliny, é o irmão mais novo, Daniel, o incumbido pela mãe de procurar pelo
irmão mais velho que partiu sem indicar paradeiro. No de Raduan Nassar, cabe ao
irmão mais velho, Pedro, trazer de volta à casa paterna o filho fujão (é como
fuga que é vista a partida de André). Em ambas as histórias, os protagonistas
são os narradores, mas cada um imprime um tom próprio ao seu discurso: poético
e extremado em André (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Lavoura Arcaica</i>),
prosaico e irônico em Daniel (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Allegro ma
non tropo</i>). No entanto, o sentido de possessão, de embate violento no campo
da moral, dos costumes familiares, o uso da linguagem poética em estado puro,
vibrante, presentes no romance <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Lavoura
arcaica</i>, não fazem parte da configuração narrativa de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Allegro ma non troppo.</i>A narrativa de Paulliny não busca a densidade
psicológica ou trágica que podemos observar na obra de Raduan. É narrativa mais
fluida, que dá conta da movimentação do protagonista na busca pelo irmão, em
Alto Paraíso, cidade mística situada na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, ou nos
arredores de Brasília. É, em suma, narrativa que prima pelo tom de oralidade.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Outros pontos de
contato ou de afastamento entre os dois livro podem ser apontados: se em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Lavoura arcaica</i> há o elemento religioso
defendido com severidade e força pelo pai, em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Allegro ma non troppo</i> aparece o elemento místico, que é visto pelo
narrador-personagem com reserva e ironia. Aliás, esse é o principal elemento
que Daniel aponta como motivo de afastamento entre ele e o irmão: João enverada,
cada vez mais, pelos caminhos do misticismo, enquanto ele vai sendo tragado
pelo ceticismo. As duas histórias são dramas familiares que ilustram bem a
grande dificuldade de convivência entre as pessoas quando tomadas por ideias
extremas e apaixonadas. O sentido de liberdade e de busca pela própria
essência, mesmo que isso se dê de forma enviesada e incompreensível para os
demais, está presente tanto no livro de Raduan quanto no de Paulliny. Mas a
proximidade entre as duas obras acaba aí.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>A
ligação com a música e alguns aspectos da vida do protagonista<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">Allegro ma non tropo</i> [do italiano,
significa “rápido, mas não muito”] é uma expressão do universo da música
clássica e, segundo a Wikipédia, “é um andamento utilizado para indicar ao
músico que a execução deve ser moderadamente rápida. Em geral, o movimento <i style="mso-bidi-font-style: normal;">allegro</i> é executado com pulsão rápida e
expressão leve e alegre”. No caso do livro de Paulliny, podemos observar que a
narrativa segue um ritmo ágil, acelerado, mas sem a pressa exagerada que
resulta num atropelo de cenas desconexas. [A referência à música, tanto a
erudita quanto a popular, é uma constante ao longa da história.]</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-rvH96zrawu0/XL3J3CqL4AI/AAAAAAAABOI/IVG8TmED6w0Jg5S2C4lqM7w_olollOjkQCLcBGAs/s1600/FOTO%2BPaulliny-Gualberto-Tort.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="400" data-original-width="600" height="266" src="https://2.bp.blogspot.com/-rvH96zrawu0/XL3J3CqL4AI/AAAAAAAABOI/IVG8TmED6w0Jg5S2C4lqM7w_olollOjkQCLcBGAs/s400/FOTO%2BPaulliny-Gualberto-Tort.jpg" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Embora o tema
seja pesado [o conflito familiar e existencial do protagonista, um músico
erudito em busca de afirmação profissional e compreensão dos problemas afetivos],
o uso da ironia quebra em parte essa sisudez e mantém a história num andamento
mais leve, o que permite, através do olhar do narrador-personagem, que outros
elementos ao redor sejam mostrados. É assim que, através dum olhar mais
descolado do seu mundo interior, Daniel, em sua jornada de busca pelo irmão,
apresenta ao leitor o universo místico da cidade de Alto Paraíso, com seus
tipos excêntricos, as cachoeiras que atraem tantos turistas ao vilarejo de São
Jorge [também na Chapada dos Veadeiros, a 300 km de Brasília] e os arredores da
Capital, até então desconhecidos para ele.Porém, os tipos que aparecem nesses
lugares marcados pelo misticismo [tipos geralmente em busca de autoconhecimento
ou de um sentido pleno para a vida] nem sempre são vistos com olhar complacente
por Daniel, que, não raro, destila aí sua verve irônica e contaminada pelo
ceticismo. “O Devananda usava um turbante branco enrolado na cabeça. Parecia
indiano, mas não era. Tinha sotaque de cearense, o que sabotava toda a sua
elaborada aparência de guru das montanhas.” É essa descrença, que o faz
desconfiar dos discursos pretensamente místicos, religiosos, e sua incapacidade
de se ligar mais fortemente a alguém que caracterizam mais fundamente a sua
vida. A sua relação instável e insegura com as mulheres é também um contraponto
com a forte personalidade do irmão, um notório conquistador e amante contumaz. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">O seu caso com
Marina é bem emblemático: ela se entrega, de<a href="https://www.blogger.com/null" name="_GoBack"></a>clarando-se
apaixonado por ele, mas, no momento de ele se entregar também, recua,
justificando seu ato insensível: “Devia estar sentindo ao mesmo tempo muita
raiva e muita vergonha. Quase a puxei de volta para dizer que a amava, mas
fiquei com medo. Com medo de que ela acreditasse e ficasse e eu não conseguisse
mais afastá-la de mim. Eu não queria uma Marina para sempre”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Paulliny se
revela uma excelente criadora de personagens. Em Alto Paraíso, por exemplo, o
protagonista se envolve com uma série de personagens estranhos e cativantes ao
mesmo tempo. E é com pesar que vemos esses personagens sumirem da história, já
que, em sua busca pelo irmão, Daniel vai e volta ao seu ponto de origem, perdendo
contato com essas pessoas no mínimo interessantes, como Berta, a simpática jovem
descendente de alemães, Gabriela, a garçonete mulata, exuberante e,
aparentemente, inacessível, e Ronald, com sua figura jovem já detonada pela
vida extravagante que leva, mas cheio de afeto.Todos esses personagens, cada um
a seu modo, em função de sua inquietude, mereceriam uma história à parte.
Todos, de certa maneira, são indivíduos que escaparam dos limites da casa dos
pais e se jogaram no mundo em busca de sentidos outros para a vida.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;"><i>[Texto publicado, originalmente, no Correio das Artes e na revista Diversos Afins]</i></span></div>
<br />Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-22674443480719078542018-12-26T16:07:00.001-08:002018-12-26T16:14:10.734-08:00Um mergulho nas entranhas do Brasil do atraso e da corrupção<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-lezm1X-veFc/XCQVr456HRI/AAAAAAAABNE/aidBdNTsSec2-bQHHhUEn-_kBjFm11MiACEwYBhgL/s1600/FOTO%2BDA%2BCAPA%2BDO%2BLIVRO%2BDO%2BLOUREN%25C3%2587O%2BDUTRA.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="960" data-original-width="626" height="400" src="https://2.bp.blogspot.com/-lezm1X-veFc/XCQVr456HRI/AAAAAAAABNE/aidBdNTsSec2-bQHHhUEn-_kBjFm11MiACEwYBhgL/s400/FOTO%2BDA%2BCAPA%2BDO%2BLIVRO%2BDO%2BLOUREN%25C3%2587O%2BDUTRA.jpg" width="260" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Por Geraldo Lima<o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span><o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">De quatro em quatro anos, durante as
eleições para o Legislativo e o Executivo, somos bombardeados pelos discursos
vãos dos políticos. Apresentando-se como políticos profissionais [dizem-se
“experientes”] ou como não políticos [nova maneira de iludir o eleitor ao
exibir uma pureza que não coaduna com o universo da política], todos têm como
objetivo conquistar a confiança e a esperança do povo. Isso exige uma retórica
mais condizente com os anseios da população, assim como a disposição para o
corpo a corpo na caça ao voto e o uso de novos recursos tecnológicos, como a
Internet, para alcançar o eleitor com mais eficácia. Em outros tempos, como bem
o sabemos, o modo de aliciamento de eleitores dava-se de forma mais direta, sem
a intermediação do discurso de convencimento. Para tanto, colocava-se em
prática o conhecido e abominável “voto de cabresto”. Era dessa maneira que os temidos
Coronéis mantinham com pulso firme os seus currais eleitorais no interior do
país. Embora pensemos que esse modo nefasto de fazer política encontre-se
completamente fora de uso no Brasil, ele continua a ser praticado, só que agora
de modo mais velado, encoberto com nova roupagem. O jogo democrático, assim
como a modernização do processo eleitoral, com adoção de novos meios para
coletar e aferir os votos, como é o caso da urna eletrônica, não inibem
completamente as velhas práticas de aliciamento eleitoral. Pelo menos é isso
que o livro <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Os Aliciadores</b>, de
Lourenço Dutra [romance, Pulp BsB Edições, 2016, 174 páginas], procura nos
mostrar com uma narrativa irônica e sem lirismo.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">A LIGAÇÃO DA HISTÓRIA FICCIONAL COM A HISTÓRIA REAL<o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">A história contada nesse romance de
Lourenço Dutra nos é bem familiar, faz parte das entranhas podres do nosso
sistema político, senão, vejamos: Dioclécio e Alberto são aliciadores de
eleitores para a reeleição do governador Jorge Boriz, no Distrito Federal. E é
de forma direta, sem disfarce, que os dois se aproximam dos possíveis
candidatos. Tomemos como exemplo este diálogo que Alberto trava com um deles:<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>“– E o que eu preciso fazer?<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">– Nada de mais, somente transferir o
seu título de eleitor pra lá.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Ele riu.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">– Ah, eu entendi. É pra votar em
quem?<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">– Pra votar na reeleição do
governador Jorge Boriz.”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">No momento, a missão dos dois é ir ao
interior da Bahia, às margens do rio São Francisco, para arrebanhar eleitores
entre a gente pobre [sem-terra, desempregados, ciganos maltrapilhos, pequenos comerciantes
sem perspectiva de futuro etc.] e levá-los para o DF, com a promessa de
ganharem lotes e outros benefícios para votar no tal Jorge Boriz. Nesse ponto,
Lourenço não é nem um pouco sutil, nem faz questão de sê-lo: para quem mora no
Distrito Federal, é clara a referência a um conhecido político que governou o
Distrito Federal durante um bom tempo exatamente com essa estratégia de doar
lotes às pessoas pobres com o objetivo de obter delas o voto. Ou seja, a
nefasta prática do “voto de cabresto”, neste caso, sob a embalagem do espírito
de benfeitor ou de “pai dos pobres”. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>E
as promessas são mesmo irrecusáveis:<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">“– Somos enviados do governador Jorge
Boriz e viemos fazer um convite pra vocês. Que tal se mudarem para uma cidade
em início, com garantia da escritura do lote, água, luz, saneamento básico,
cesta básica e um botijão de gás mensal, de graça?”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Ou então esta:<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">“– Com Jorge Boriz não tem erro! O
homem é bom, bom mesmo, pai dos pobres de verdade!” <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">O romance <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Os Aliciadores</b> filia-se a essa linhagem de obras de ficção que
fazem da sátira sua marca maior, seu diferencial em meio ao comodismo e ao
bom-mocismo. Seu deboche é corrosivo e provoca um rebaixamento no comportamento
de tipos respeitáveis perante a sociedade, e aí entra o político, o homem de
negócios, o gestor público, a esposa do prefeito, o filho do fazendeiro
etc.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>É impiedoso no modo de lidar com
essa gente, de caracterizá-la física e psicologicamente. “Nesse instante, a
mulher que portava dentes de chiclete Adams soltou um grito histérico e se pôs
a brigar com a mocinha que fazia os seus pés.” A figura retratada desse modo
zombeteiro é a esposa do prefeito de Ibotirama do Leste, na Bahia, cidade onde
Dioclécio e Alberto se encontram para executar o seu trabalho sujo.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-KWNgP8JzmVA/XCQV8xLGfPI/AAAAAAAABNM/v_wmhcTJWeQpq-PzwHU2fZ0BEm5HIc6kQCEwYBhgL/s1600/FOTO%2BDE%2BLOUREN%25C3%2587O%2BDUTRA.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="958" data-original-width="960" height="398" src="https://1.bp.blogspot.com/-KWNgP8JzmVA/XCQV8xLGfPI/AAAAAAAABNM/v_wmhcTJWeQpq-PzwHU2fZ0BEm5HIc6kQCEwYBhgL/s400/FOTO%2BDE%2BLOUREN%25C3%2587O%2BDUTRA.jpg" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">A CARACTERIZAÇÃO DOS PERSONAGENS E A
ESTRUTURA DO ROMANCE<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Dioclécio e Alberto, protagonistas
dessa história, são psicológica e moralmente antagônicos. Embora atuem juntos,
cumprindo a mesma missão de arrebanhar eleitores de modo fraudulento, não costumam
apresentar o mesmo tipo de comportamento em relação ao seu trabalho. Vemos, às
vezes, Alberto vacilar e questionar a sua atividade, enquanto Dioclécio, sem
escrúpulo moral algum, segue adiante sem se questionar. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">“– Oferecemos o que não é nosso e nem
do Jorge Boriz. Oferecemos terra que não é nossa... <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">– Ô, Alberto! Sinceramente? Foda-se!
Não me venha com esse papo de terra pública, com essa <i style="mso-bidi-font-style: normal;">frescurada</i> de preservar o meio ambiente (...).” <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Se Alberto vive um drama familiar
[está em vias de se separar da esposa, que o trai com o pastor da igreja],
Dioclécio, pelo contrário, vive muito bem seu estilo macho-comedor e bom de
porrada. Se mete em confusão, ora por conta de se envolver com mulher alheia,
ora por topar com tipos arrogantes, como o jovem gaúcho que ele humilha em
plena rua ao lhe aplicar uma tremenda surra. Mas algumas de suas atitudes podem
surpreender, como da vez em que ele toma as dores de um jovem homossexual agredido
por um grupo de filhinhos de papai [e aqui o quase vilão Dioclécio ganha ares
de herói, desconstruindo a sua péssima imagem frente ao leitor]. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Também parecem se diferenciar no
aspecto físico, ainda que só as características físicas de Dioclécio estejam
mais definidas, com seus traços negroides [“Virei-me de lado e olhei seu perfil
com nariz achatado, cabelos pretos, boca carnuda”]. Alberto seria branco? Como
narrador, ele fala pouco de si, focando mais na figura do companheiro de
trabalho, visto por ele quase sempre de forma negativa: “No final da tarde me
separei de Dioclécio. Esse sujeito, por muito tempo, me cansa. Grosseria,
mau-caratismo e senso comum em excesso”. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">O romance é dividido em partes,
quatro ao todo, cada uma com um título, e em capítulos, cada um também com seu
respectivo título [“Pesquisa de campo”, “Os donos da cidade”, “Rock às margens
do Velho Chico” etc.], que já adianta ao leitor o que irá ser tratado aí. O
narrador da história é Alberto, como já foi dito, e, através do seu olhar ainda
humanizado, podemos ter um recorte crítico da realidade e das ações
empreendidas pelos envolvidos na trama. Embora o autor procure conduzir sua
narrativa com segurança e agilidade, há alguns diálogos que se estendem demais
e poderiam ser descartados em nome de uma maior fluidez da narrativa. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">A GENTE POBRE E SEU DESTINO NO
ROMANCE DE LOURENÇO DUTRA<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">A narrativa de <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Os Aliciadores</b> vai nos conduzindo pelos meandros do poder no
interior brasileiro e expondo todas as suas mazelas. O romance, nesse aspecto,
ganha uma importância grande, pois trata de um assunto nem sempre valorizado
pelos nossos autores, quase sempre focados em dramas vividos por tipos brancos
e da classe-média nos grandes centros urbanos do país. No romance do
brasiliense Lourenço Dutra, professor de História e graduado também em
Jornalismo, é o povão desamparado que aparece na mira dos políticos aproveitadores,
como Jorge Boriz. E o que se cobra dessas pessoas, prisioneiras das
necessidades mais básicas, é que ajudem os poderosos a manterem sua hegemonia
política. Em tempo de eleição, esta pode ser uma leitura bastante instigante. Fica
então o convite para que o leitor [também eleitor] mergulhe na trama dessa obra
que mistura ação, violência, sexo, amor, crítica social e sátira, para chegar,
enfim, ao Brasil profundo, sinônimo de atraso e corrupção.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<i><span style="font-size: x-small;">[Texto publicado, originalmente, no caderno de cultura do Jornal Opção, em Goiânia]</span></i>Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-38524067522463835072018-11-08T14:53:00.000-08:002018-11-08T14:55:48.532-08:00Contos que traduzem a conflitante realidade do povo negro brasileiro<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-rBzhx9x1kIo/W-S-Lmh9XfI/AAAAAAAABM0/MLiObAMaygcdripSQjDoSm5hLhVI7UMEgCLcBGAs/s1600/CAPA%2BDO%2BLIVRO%2BO%2BTAPETE%2BVOADOR.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="333" data-original-width="222" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-rBzhx9x1kIo/W-S-Lmh9XfI/AAAAAAAABM0/MLiObAMaygcdripSQjDoSm5hLhVI7UMEgCLcBGAs/s400/CAPA%2BDO%2BLIVRO%2BO%2BTAPETE%2BVOADOR.jpg" width="266" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">Por Geraldo Lima<o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">Cristiane
Sobral [poeta, escritora, atriz, diretora e professora de teatro, nascida no
Rio de Janeiro e radicada em Brasília] é uma das vozes mais contundentes da
literatura negra brasileira. E, ao falar de literatura negra, falo do texto
literário (poesia ou prosa) que, segundo Zilá Bernd, no seu livro <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Introdução à literatura negra</i> (Editora
Brasiliense, 1988, pág. 95), “configura-se como uma forma privilegiada de
autoconhecimento e de reconstrução de uma imagem positiva do negro”. É, também,
literatura que tem o compromisso de denunciar a discriminação racial e o quadro
de exclusão em que vive a maior parte da população negra no Brasil. É, em suma,
uma literatura que se propõe como militante, engajada, com todos os riscos que
isso acarreta. E é assim nos dezoito contos que compõem o livro <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O tapete voador</i> (Editora Malê, 2016), de
Cristiane Sobral.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">Nesse
seu livro, Cristiane Sobral nos dá mostra de como esse tipo de narrativa se
propõe como objeto estético e, ao mesmo tempo, como instrumento de
conscientização do indivíduo negro sobre a importância de assumir a sua
verdadeira identidade racial e cultural. O confronto, aí, é contra a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ideologia do</i> em<i style="mso-bidi-font-style: normal;">branquecimento</i>. A estratégia, nesse caso, é tomar uma situação
cotidiana que exponha o problema da discriminação racial ou do conflito
identitário do negro brasileiro, de modo objetivo, quase didático, de maneira
que o leitor saia da leitura do texto com sua consciência mudada, ou, na linha
do que alguns dos contos de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O tapete
voador</i> sugerem, renasça com nova identidade cultural ou resista sem abrir
mão das suas convicções raciais. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">De
imediato, ficamos tentados a ver nesse tipo de procedimento literário um
defeito ou uma pobreza estética, ao qual faltaria sutileza na construção da
narrativa e na representação psicológica das personagens. Sobre isso, nos
alerta Zilá Bernd (ibid., pág. 98): “Assim, em literatura negra, a questão de
avaliação do nível estético atingido não deve se pôr como elemento exclusivo de
análise, ou como preocupação única da crítica. Jack Corzani, autor da
importante obra La Littérature des Antilles-Guyane Françaises (1978), (...)
recoloca o problema de privilegiar o estético no estudo de obras que se querem
essencialmente funcionais, concluindo que esse critério corresponderia a
condenar a pesquisa, a priori, à esterilidade”. Assim, devemos ver, em primeiro
plano, o caráter de funcionalidade desse tipo de procedimento narrativo para
explicitar, no caso, os problemas raciais e sociais que afetam o negro
brasileiro. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">E é
de modo consciente e corajoso que Cristiane se equilibra entre estes dois polos
(o estético e o ideológico) na construção dos dezoito contos que compõem esse
seu livro. A sua habilidade na construção da narrativa que privilegia o
elemento estético e a fabulação fica visível no conto <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Bife com batatas fritas. </i>Nesse conto,<i style="mso-bidi-font-style: normal;"> </i>a questão estética e a temática social são bem articuladas, de
modo que o leitor não tem como não se comover com o quadro de miséria e
orfandade de uma criança de periferia. Esse é, aliás, um dos melhores contos do
volume e poderia figurar em qualquer antologia dos melhores contos brasileiros.
No conto <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O limpador de janelas</i>, o que
chama a atenção é o modo como a narrativa se constrói a partir de frases muito
curtas, fragmentadas, o que torna o ritmo acelerado e surpreendente, dando
conta das várias peripécias amorosas do protagonista. Ao final, o personagem Samuel, um quase
pícaro, um “pegador” nato, verá que a sua condição de negro em terras
tupiniquins vai sempre lhe reservar surpresas desagradáveis. Por falar em
final, é de se observar que há, propositalmente, um elevado tom de idealização
em alguns casos, beirando o inverossímil, como o que acontece no conto <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Metamorfose</i>, em que tudo acaba
exageradamente bem. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">Ainda
que predomine o realismo, algumas histórias flertam com o fantástico, como nos
contos <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O galo preto</i> e <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A samambaia</i>.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O tom de sarcasmo, de deboche e de ironia
molda algumas dessas narrativas, tornando ainda mais agudo e crítico o olhar da
autora sobre os episódios de discriminação racial e de negação da própria
negritude, como é o caso dos contos <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Lélio</i>
e <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Afrodisíaco</i> (neste, ironiza-se o
propalado vigor sexual dos negros). Ora narradas em terceira pessoa, ora em
primeira – nesse caso, majoritariamente narradas por mulheres –, as histórias
compõem um painel de situações variadas em que o indivíduo negro se vê frente a
frente com a questão do preconceito racial, da miséria ou da crise de
identidade. A subjetividade feminina é também ponto de destaque nessas
histórias de enfrentamento e reconstrução da imagem, como nos contos <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Vox mulher</i>, em que a protagonista
expressa, numa linguagem marcadamente poética e intensa, seus desejos e seu
orgulho de ser mulher negra, e <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Pixaim</i>,
no qual uma mulher rememora, de modo comovente, sua infância passada no Rio de
Janeiro e marcada pelo sofrimento de se ver obrigada a mudar sua imagem, com o
alisamento desastroso do cabelo, e reafirma, já residindo em Brasília, seu
orgulho e sua alegria de se ver no espelho como ela realmente é: uma mulher
negra e madura. “A gente só pode ser aquilo que é”, afirma ao final, num claro
recado aos que procuram negar a sua origem.<span style="mso-spacerun: yes;">
</span><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">Nem
sempre os personagens são pessoas que negam a sua negritude. Algumas, pelo
contrário, assumem a sua ancestralidade e suas características negras e as
defendem com convicção. Tomemos, como exemplo, o conto <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O tapete voador</i>, que abre o volume, e o conto <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Renascença</i>, que o fecha. No primeiro conto, narrado em terceira
pessoa, a personagem Bárbara, de origem humilde e orgulhosa da sua cor, é
funcionária de uma grande empresa e tem o reconhecimento pelo seu trabalho. No
momento, ela pretende se aperfeiçoar mais ainda e pede o apoio da empresa para
fazer uma pós-graduação. Mas qual não será o seu espanto e a sua decepção ao
ser levada à presença do presidente, que deve autorizar esse apoio, e encontrar
lá, no posto mais alto, um homem negro? A decepção ficará por conta do que ele,
partindo da sua estratégia de ascensão profissional e social, vai lhe
aconselhar a fazer em relação à sua aparência. No segundo conto, também narrado
em terceira pessoa, encontramos a personagem Teresa prestes a romper com a sua
orientação religiosa. Negra, charmosa e orgulhosa da sua cor, sente-se preterida
pelos homens negros da igreja evangélica que ela frequenta. “Teresa gostava
muito da sua igreja, mas seu corpo negro também sentia naquele ambiente o peso
do preconceito, da discriminação. Isso gerava muitos questionamentos. Por que
não despertava o interesse dos rapazes da congregação? (...) O fato é que,
naquela comunidade, os homens negros normalmente costumavam casar com mulheres
brancas...”<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O fato de ser independente e
ter um estilo próprio (“não alisava os cabelos”), chocava os outros fiéis, e
sempre era aconselhada a mudar a sua aparência. Assim como Bárbara, só lhe
resta resistir e ir em busca de um convívio em que seja valorizada sem precisar
negar a sua identidade racial.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;">Num
país em que a representativa da população negra é baixíssima nos circuitos
literários, nos quais circulam com maior desenvoltura as obras dos autores
brancos e das autoras brancas, é de se celebrar o trabalho de escritores e
escritoras como Cristiane Sobral, que dão voz e vez em suas narrativas e poemas
à nossa gente tão excluída.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></span><br />
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><span style="mso-spacerun: yes;"><br /></span></span></span>
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "verdana" , sans-serif;"><span style="font-size: x-small; mso-spacerun: yes;"><i>[Resenha publicada, originalmente, na revista eletrônica Diversos Afins e no jornal Correio Braziliense]</i></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<br />Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-70228409552072137802018-10-02T15:09:00.000-07:002018-11-08T14:56:38.057-08:00Protagonistas negros nos contos de Cuti<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-suuoVkGXChQ/W7PrEhgZxNI/AAAAAAAABMY/DZoefaLX3j0v0gVa6TU1lrj-8s57jCykQCLcBGAs/s1600/Scan0004.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1520" data-original-width="1005" height="400" src="https://4.bp.blogspot.com/-suuoVkGXChQ/W7PrEhgZxNI/AAAAAAAABMY/DZoefaLX3j0v0gVa6TU1lrj-8s57jCykQCLcBGAs/s400/Scan0004.jpg" width="263" /></a></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Por Geraldo Lima<o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Meu primeiro contato com a obra
literária de Cuti deu-se através da poesia, mais precisamente com seus poemas
publicados nos <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Cadernos Negros</i>, do coletivo
Quilombhoje-Literatura – do qual ele foi um dos fundadores –, e no livro de
Zilá Bernd, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Introdução à Literatura Negra</i>
(editora brasiliense). Nesse livro, no capítulo intitulado <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A literatura negra brasileira: suas leis fundamentais,</i> a autora
cita a poesia de Cuti, assim como a de Oliveira Silveira, Ele Semog, Oswaldo de
Camargo, Paulo Colina, entre outros, como exemplo de poesia negra, ou seja, a
produção poética em que o negro busca assumir-se criticamente como sujeito da
enunciação. Não mais a poesia falando sobre o negro, ao modo de Castro Alves e
Jorge de Lima, mas, sim, “um-eu-que-se-quer-negro, evidenciando uma ruptura com
uma ordenação anterior que condenava o negro a ocupar a posição de objeto ou,
melhor, daquele de quem se fala”, nas palavras de Zilá Bernd.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="mso-spacerun: yes;"><br /></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Nesse mesmo livro, atendo-se à
realidade brasileira e à produção literária de autoria negra, Zilá aponta a
predominância da poesia sobre o conto e o romance até então. Há um discurso
poético dando conta do “processo de transformação da consciência negra”, mas
não há, ainda, uma narrativa nesse mesmo padrão. A causa, segunda a autora, é
que “para a maturação de um romance negro brasileiro, algumas etapas ainda
precisam ser vencidas, como o resgate da sua participação na História do
Brasil, sobre a qual tantas sombras se projetam, e a definição de sua própria
identidade. Para que exista um discurso ficcional do negro é preciso que o
negro defina a imagem que possui de si mesmo e que consolide o processo já
iniciado de construção de uma consciência de ser negro na América”. O livro de
Zilá Bernd é de 1988. De lá para cá, muita coisa mudou em relação a isso,
inclusive com o aumento no número de pessoas que, segundo as últimas pesquisas
realizadas pelo IBGE, têm se reconhecido como negras. Partindo então desse
raciocínio, podemos entender o crescente número de escritores negros
brasileiros que trazem a público narrativas em que homens negros e mulheres
negras são protagonistas.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>É o caso,
aqui, de Cuti, com seu livro <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Contos
escolhidos,</i> publicado pela Editora Malê. A Malê, diga-se de passagem, veio
com a proposta de publicar e dar visibilidade aos autores negros.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">A questão racial e seu enfoque ficcional <o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Cuti (pseudônimo de Luiz Silva),
doutor em Literatura Brasileira pela Unicamp, tem produção na área do ensaio,
da poesia, do teatro, do conto e da literatura juvenil. É um dos expoentes da
geração de autores negros que, no final dos anos 70, começou a publicar, de
forma independente, poemas marcados por uma voz descontente com a situação do
povo negro no Brasil. Nesse seu livro de contos publicado pela Editora Malê,
ele se revela um prosador hábil e conhecedor da alma humana. Nos dezesseis
contos reunidos no livro, o leitor vai se deparar com uma temática variada,
como violência urbana, inveja, desejo de vingança, marginalidade juvenil,
ciúme, racismo, questões de identidade racial, dificuldade financeira etc. E, o
mais importante, vivida por protagonistas negros.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Para se ter uma ideia de como o autor
trata a questão da identidade racial a partir da narrativa ficcional, vamos tomar
como exemplo o conto <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O batizado</i>, que
abre o volume<i style="mso-bidi-font-style: normal;">.</i> Nesse conto narrado em
terceira pessoa, mas com o fluxo de consciência dando conta do desespero que
vai tomando conta de alguns personagens, o protagonista Paulino, jovem e
militante da causa negra, critica duramente o fato de terem colocado no
sobrinho um nome que não tem ligação alguma com a cultura africana. “Ouçam o
nome do meu adorado sobrinho: Luizinho... Já não chega o sobrenome Oliveira?
Luiz é nome de qual ancestral? Refere-se a qual matriz cultural? E, minha
gente, o nome é de origem francesa. Significa defensor do povo... que não é
nosso povo. O meu sobrinho é, pelo significado do nome, defensor do povo
francês. E o seu povo?” A sua atitude radical cria, como se pode imaginar, um
clima tenso e perigoso durante a comemoração do batizado. Naquele momento de
festa e alienação, sua postura é a do chato, do estraga-prazer que vem anunciar
uma verdade incômoda, a qual todos querem ignorar. É em meio a essa tensão
familiar, de confronto entre visões de mundo opostas, que a narrativa deixa
claro a fratura presente na formação da nossa identidade racial, que começa,
obviamente, no instante em que os africanos são trazidos à força para o Brasil
e, como estratégica de dominação imposta pelos brancos escravagistas, são
renomeados de acordo com a cultura dos seus senhores. Embora a atitude de
Paulino possa parecer exagerada e sem propósito, reivindicando que os negros
brasileiros passem a adotar nomes de origem africana, ela nos faz refletir
sobre essa perda de identidade cultural que propicia a dominação de um povo por
outro. A sua atitude nos lembra, de certa maneira, a de Policarpo Quaresma, que,
no seu nacionalismo exacerbado, propõe o tupi-guarani como língua oficial. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">O tema do racismo está presente, de
modo mais explícito, em dois contos: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Preto
no branco </i>e<i style="mso-bidi-font-style: normal;"> Conluio das perdas,</i>
ambos narrados em primeira pessoa. No primeiro, temos aquela famosa situação do
negro que começa a namorar uma mulher branca e tem que enfrentar a resistência
da família dela, neste caso, a resistência maior, com efeitos trágicos, vem do
cunhado. No segundo, a situação de racismo é bem corriqueira, aquela em que o
indivíduo negro é sempre visto como bandido. Neste caso, ao ser confundido com
bandidos que assaltam um banco, o jovem Malcolm fica traumatizado e decide
tomar outro rumo na vida quando já estava na iminência de prestar vestibular
para Engenharia. Essa sua decisão afeta sobremaneira a vida do seu pai,
narrador dessa história e cuja existência é marcada pela perda e pela vivência
também de situações de racismo.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="mso-spacerun: yes;"><br /></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Outras questões raciais marcam a vida
dos personagens dessas histórias de Cuti, como a do protagonista do conto <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Lembranças das lições.</i> A história é
narrada no tempo presente pelo protagonista que, ainda criança, vê-se
massacrado psicológica e moralmente na aula de História, cujo tema é a
escravidão. Além do riso e dos olhares sacanas dos colegas brancos, o que afeta
mais ainda o protagonista, aumentando-lhe a angústia e o incômodo, é o modo
como a professora desenvolve o tema da aula, sempre realçando algumas palavras,
como <i style="mso-bidi-font-style: normal;">negro</i> e <i style="mso-bidi-font-style: normal;">escravo</i>.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>“Parece ter um
martelo na língua e um pé-de-cabra abrindo-lhe um sarcasmo de canto de boca”,
ele observa. Esse tipo de tormento e vergonha tem afetado, com certeza, muitas
crianças negras em sala de aula, levando-as, como o narrador dessa história, à
tentativa de evasão escolar.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><a href="https://4.bp.blogspot.com/-dp-JhaXa7t8/W7PrSiR6UeI/AAAAAAAABMc/7S86ocwaaYUkW-VAvm97qxx7r6xx5S9oQCLcBGAs/s1600/FOTO%2BDO%2BCUTI%2BPARA%2BCORREIO%2BDAS%2BARTES.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="550" data-original-width="940" height="233" src="https://4.bp.blogspot.com/-dp-JhaXa7t8/W7PrSiR6UeI/AAAAAAAABMc/7S86ocwaaYUkW-VAvm97qxx7r6xx5S9oQCLcBGAs/s400/FOTO%2BDO%2BCUTI%2BPARA%2BCORREIO%2BDAS%2BARTES.jpg" width="400" /></a></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Domínio da técnica narrativa e criação de tensão psicológica<o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Alguns aspectos de carácter literário
e estilístico devem ser destacados nos contos que formam esse volume, pois são
eles que revelam, aos nossos olhos de leitores, o escritor em pleno domínio da
técnica narrativa. Em dois contos, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Dupla
culpa</i> e <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Não era um vez</i>, Cuti
mostra-se um hábil criador de tensão psicológica, dessas em que o personagem, à
deriva, vai nos arrastando junto para dentro do seu desespero e do seu
torvelinho mental. Com frases curtas, torna ainda mais acelerada e asfixiante a
situação do protagonista. A tensão é sempre grande e a expectativa do que vai
acontecer não nos deixa abandonar a leitura. Nesse caso, Cuti pode ser
colocado, sem receio algum, ao lado de Machado de Assis, Dostoiévski,
Graciliano Ramos e Dyonélio Machado. É preciso ressaltar ainda o sentido poético
que o autor imprime à linguagem de alguns textos, nos surpreendendo às vezes
com belas imagens como estas: “Apenas o silêncio empedrado deu indícios de que
ele não estava bem” (Não era uma vez, pág. 61). “A crueldade coloca-lhe o
revólver suavemente na mão” (Não era uma vez, pág. 65). “Júlio foi povoado de
pensamentos violentos, relâmpagos desatados riscando o céu de dentro” (Ponto
riscado no espelho, pág. 67). “Olhava apenas aquele inferno vivo, nele
procurando, talvez, alguma faísca de bondade” (Limite máximo, pág. 123).
Noutros casos, é a ironia e o sarcasmo que atravessam suas narrativas,
acrescentando-lhes um sabor ácido e cortante. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Os contos de Cuti, presentes no livro
<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Contos escolhidos</i>, são, sem dúvida
alguma, um convite para mergulharmos nas questões étnicas e nas contradições
sociais que marcam a formação do nosso povo. Mas, acima de tudo, são um convite
à leitura de textos ficcionais que nos remetem à reflexão e nos arrancam da
cômoda posição de enxergarmos a nossa realidade apenas de um ponto de vista, o
dos prosadores brancos e, geralmente, de classe média.<o:p></o:p></span></span></div>
<br />
<br />
<br />
<i><span style="font-size: x-small;">[Resenha publicada, originalmente, no caderno de cultura do Jornal Opção-GO e no suplemento literário Correio das Artes-PB]</span></i>Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-42269142861539099982018-05-17T07:39:00.000-07:002018-05-17T07:39:50.217-07:00Resenha<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Resenha sobre meu livro de contos Uma mulher à beira do caminho (Editora Patuá, 2017), publicada no Jornal RelevO.</span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-uTDb8ZtnRds/Wv2TIBQXD3I/AAAAAAAABLs/3sENZEdtMJkHJIRQOCqzcEd5L-hL2d67wCLcBGAs/s1600/Scan0248.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" data-original-height="1600" data-original-width="1164" height="640" src="https://4.bp.blogspot.com/-uTDb8ZtnRds/Wv2TIBQXD3I/AAAAAAAABLs/3sENZEdtMJkHJIRQOCqzcEd5L-hL2d67wCLcBGAs/s640/Scan0248.jpg" width="464" /></span></a></div>
<br />Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-45280362036715283202018-05-03T07:44:00.000-07:002018-05-03T07:58:09.634-07:00Resenha sobre meu livro Uma mulher à beira do caminho<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-AKlP7kPa0zk/WusjQohMDDI/AAAAAAAABLY/QEYWt4VieKY6N9Wg8y5TKPtbslYI3quXQCLcBGAs/s1600/Scan0235.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1600" data-original-width="1164" height="640" src="https://4.bp.blogspot.com/-AKlP7kPa0zk/WusjQohMDDI/AAAAAAAABLY/QEYWt4VieKY6N9Wg8y5TKPtbslYI3quXQCLcBGAs/s640/Scan0235.jpg" width="465" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-20234885769947867312018-04-23T19:55:00.002-07:002018-04-23T20:03:40.213-07:00Sou o próximo convidado do Projeto Literatura Face a Face, idealizado pelos escritores Alexandre Pilati e André Giusti. Para saber mais, clique no link abaixo:<br />
<br />
<br />
<a href="https://www.facebook.com/events/168504850636331/?acontext=%7B%22ref%22%3A%2222%22%2C%22feed_story_type%22%3A%2222%22%2C%22action_history%22%3A%22null%22%7D">PROJETO LITERATURA FACE A FACE</a><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-kY7aTp3ICvc/Wt6dR6ExpiI/AAAAAAAABK4/dPOd8MXnQVkkvvwl8WgnOUwSKeWSfZsVACLcBGAs/s1600/LITERATURA%2BFACE%2BA%2BFACE.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="150" data-original-width="150" height="320" src="https://2.bp.blogspot.com/-kY7aTp3ICvc/Wt6dR6ExpiI/AAAAAAAABK4/dPOd8MXnQVkkvvwl8WgnOUwSKeWSfZsVACLcBGAs/s320/LITERATURA%2BFACE%2BA%2BFACE.jpg" width="320" /></a></div>
<br />Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-763866870400343627.post-21536744329203032882018-03-01T06:20:00.002-08:002018-03-01T06:20:39.672-08:00<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
O livro está à venda no site da Editora Patuá.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
Para comprá-lo, basta clicar em <a href="http://editorapatua.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=498">EDITORA PATUÁ</a> </div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
Boa leitura!</div>
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<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-mR1zMyxVL20/WpgLEWbH5BI/AAAAAAAABKU/htGSRxOEhy4RlT4LiVK0ImrSCYHcE5_xACLcBGAs/s1600/CAPA%2BDO%2BLIVRO%2BUMA%2BMULHER%2B%25C3%2580%2BBEIRA%2BDO%2BCAMINHO%252C%2BPATU%25C3%2581.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="960" data-original-width="729" height="640" src="https://1.bp.blogspot.com/-mR1zMyxVL20/WpgLEWbH5BI/AAAAAAAABKU/htGSRxOEhy4RlT4LiVK0ImrSCYHcE5_xACLcBGAs/s640/CAPA%2BDO%2BLIVRO%2BUMA%2BMULHER%2B%25C3%2580%2BBEIRA%2BDO%2BCAMINHO%252C%2BPATU%25C3%2581.jpg" width="484" /></a></div>
<br />Geraldo Limahttp://www.blogger.com/profile/05607766422091786686noreply@blogger.com0