Na minha infância, em Pernambuco, era muito comum ouvir expressões como "abecedário, ABC do Cangaço, etc. Ao final da adolescência, morando em Brasília, foi a vez do contato com o ABC DA LITERATURA, de Ezra Pound, para quem a poesia está mais próxima da música e das artes visuais que da literatura. É nesse território por onde transita Paulo Siqueira, que nos seus experimentos passa pelo desenho, a pintura, a fotografia e pela continuidade da velha tradição poética — os versos. .
Quando se pensa em abecedário, imagina-se uma leitura recortada de A a Z sobre um ou vários temas. No caso desta obra, embora isso também ocorra, o poeta convida para que a palavra saia do dicionário e venha dançar no lago do olho, dentro da orelha, na ponta da língua do leitor, ou, como diria Décio Pignatari, “antes da poesia concreta: versos são versos. Com a poesia concreta: versos não são mais versos. Depois da poesia concreta: versos são versos. Só que a dois dedos da página, do olho e do ouvido. E da história".
Paulo Siqueira apanha os dados de Mallarmé para relançá-los na outra borda do grande sertão da linguagem, fazendo desta obra uma travessia feita com rigor. Caberá ao leitor-performer desvendar estas páginas-telas, dançar com os signos, jaguncear, riobaldear-se, vicentir-se, errar, zerar-se, diluir-se. Aqui o leitor encontrará momentos de sublime radicalidade do signo, como no poema “nuvem”, onde as dimensões semântica, sonora e gráfica irradiam ambiências sobre a brancura da página, numa sintaxe espaco-temporal, ou como quando o poeta nos presenteia com o poema zen-corisco: “isca: cai / n’água / inoc / ente / como / um peixe”.
Haroldo de Campos já nos falava sobre essa experiência necessária do "beco-sem-saída, (...) que é a única (experiência) fecunda para o poeta consciente de seu fazer, que sabe que só através desse momento de negatividade pode surgir, a cada extremo passo, a possibilidade de um novo lance”.
O resto é silício.
E que os negros ocupem
os espaços brancos.
Paulo Kauim é poeta e autor de demorô (Thesaurus Editora, 2009) http://paulokauim.blogs.sapo.pt
Sobre Vicente de Paulo Siqueira:
É professor e escritor. Autor de O tao da coisa ( poesia, Da Anta Casa Editora, 1995), Lâmina (contos, LGE Editora, 2004) e abecedário (poesia, LGE Editora, 2009). http://atelieleve.blogspot.com
DOIS POEMAS DO LIVRO abecedário:
eclesiastes
vê as meninas sob o sol
o belo como é velho
o poema nascer entre
escombros e dor
a cidade como é vã
as vans como passam
de manhã e de tarde
que nada existe
como se pensa
e como é bom
o sol sobre todos
como voam as manhãs para o azul
o não
ele não tem feição
é redondo e seco
uma fruta seca
uma tarde
agreste no nome
o não parece o escuro
face dos disfarces do sim
palavra
onde a palavra
se fecha em si para dizer
Achei você no Bule, um blog muito interessante.
ResponderExcluirFicaria muito grato se você me desse a sua opinião sobre os meus textos publicados em meu blog. Pode deixar em forma de comentário. Ficaria realmente lisonjeado.
gabrielgape.blogspot.com
desde já, obrigado.
É sempre um prazer ler seus textos, Geraldo, sempre cheios de lirismo e profundidade!
ResponderExcluirForte Abraço!
Lobão
Olá, Gabriel, acessei o seu blog que, por sinal, é muito bom. Um abração.
ResponderExcluirValeu, Alexandre, pelo seu comentário. Suas palavras são preciosas.
ResponderExcluirUm abração.