quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Entressonhos

Por Geraldo Lima


Estou numa banca de revistas, coisa que não faço desde que começou a pandemia de Covid-19. Pego o exemplar de um jornal [me escapa o nome dele agora] e começo a folheá-lo. O encarte cultural me agrada e resolvo comprar o jornal [há tempos não faço isso].

A banca está cheia, gente da UnB, poetas da cidade, e pelo jeito a pandemia já acabou: não estamos usando máscara!
No caminho para o caixa, topo com um amigo [não vou declinar o nome dele aqui]. Ele nem me cumprimenta, só diz que estou lhe devendo duzentos reais. De onde você tirou isso?!, lhe pergunto. Ele só diz que devo, e pronto. Viro-lhe as costas e me dirijo à moça do caixa.
Meto a mão nos bolsos e descubro que não tenho um tostão sequer. Sem carteira, sem nada. Digo-lhe que vou buscar o dinheiro, ela olha pro jornal em minha mão, depois, para mim, só na desconfiança. Peço que guarde o exemplar para mim, sou vizinho de vocês, volto rápido. Ela abranda a desconfiança e deixa que eu leve logo o jornal.
Dou dois passos para fora da banca... e acordo! No instante em que percebo isso, me apavoro: não gosto de ficar devendo os outros nem em sonho.

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Deixou a mão na testa dele por alguns segundos, como quem afere a temperatura de um enfermo. A mão leve, milagrosa, mão de mãe ou de amante zelosa.
Em seguida, com o mesmo cuidado, dois dedos pressionaram-lhe o pescoço, tentando sentir a pulsação da artéria, a passagem subterrânea do sangue até o cérebro.
O toque no peito pareceu-lhe insinuante, indo além do desejo de conferir-lhe os batimentos cardíacos. A mão tornou-se extremamente macia e elétrica, deixando-se escorregar um tanto até o umbigo, como se fosse adentrar o cobertor em busca de outros vãos.
Por algum motivo, a mulher mudou de ideia e segurou-lhe o braço, descolando-o do corpo. Esse gesto, meio brusco, fez com que ele acordasse e desse com a esposa ao lado da cama, o olhar atento e preocupado de quem confere se o outro ainda está vivo.
O marido não tinha o hábito de dormir até as onze da manhã, ainda mais com aquele calorão de derreter os miolos.

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