ARQUEOLHAR é o quarto livro de poesias de Alexandre Marino, mineiro radicado em Brasília há bastante tempo. Publicado em 2005, pela LGE Editora, o livro traz poemas marcados por um lirismo intenso. A memória cumpre aí um papel fundamental ao resgatar a infância do poeta e o frescor da terra natal. O subjetivismo que anima os poemas é expresso sem derramamentos ou, como diz o jornalista e professor Sérgio de Sá, sem “excesso de piedade por aquilo que foi e não voltará a ser”.
DOIS POEMAS DO LIVRO ARQUEOLHAR.
A CASA E O TEMPO
Séculos duram o tempo de um relâmpago
e as pedras se derretem
aos olhos fechados da memória.
A velha casa empedra-se no tempo
sobre a alma da terra
onde algum dia houve o nada,
o silêncio, desconhecidos elementos.
Algum deus inventou essas paragens
e houve de prever o que nem sabemos;
sobre o solo pousaram estas pedras
estáticas ao redor da viagem que invento.
Os séculos duram o tempo de um relâmpago
e relâmpagos cruzam o céu dos séculos.
Eis o espaço desta casa e seu espectro
e o espectro da criança senhora dos segredos
– uma e outra para sempre humanas.
A DEMOLIÇÃO DA SANTIDADE
A igreja sobre a paisagem dispersa,
halo de contrições e ritos,
são pedras roídas pelos anjos
e seus vaticínios.
Agônico desejo de falar com os deuses,
coágulo de transgressões.
Uma criança à espreita do invisível
em vão esforço de abstinência,
e um confessionário
onde se aprende a pecar.
Escura névoa invade a nave
com orações e aporias.
Envolve a nudez sob véus
e o canto alegre dos morcegos
na sacristia.
Uma escada conduz à torre,
um relógio desvenda o futuro.
outra conduz ao céu,
mas as culpas escurecem o percurso.
O eclipse da hóstia esconde fantasias
e a amnésia dos fósseis.
Soldados no vidro de toddy
abrem fogo contra as filhas de maria.
Pedras suspensas sustentam os sinos
e os impropérios de um deus emudecido;
a igreja dispersa na paisagem
sabe apenas dos que partiram.
Abstrata casa de pedra,
existência desfeita em cismas.
Afogado na pia batismal
rogo pela hóstia perdida,
a história sem nódoas,
esperança em ruínas.
TRÊS COMENTÁRIOS SOBRE ARQUEOLHAR:
“O desvio do artificialismo da linguagem, aliado ao exercício não-constrangido de uma subjetividade que é uma e múltipla ao mesmo tempo, confere aos poemas de ARQUEOLHAR um traço diferencial, uma dicção singular. Ao invés de malabarismos verbais, Alexandre Marino opta por explorar as várias camadas de sentido da linguagem. O poeta urde a textura de seus poemas através de um trabalho intrínseco com ritmo, a que se soma uma trama bem construída de imagens.”
Maria Esther Maciel
“O livro não se descuida um só momento da forma, do esmero com a linguagem, de seu embate com os abismos rítmicos e o bailado da versificação. O mais cativante é que nenhum dos objetos de sua construção é refém dos demais, que não há um imperativo de destaque, seja do argumento, da forma, do ritmo, seja do passado, do presente, do futuro. Apenas aparentemente o livro se organiza dentro do olhar, pois o faz com todos os sentidos.”
Floriano Martins
“A gente escuta a poesia mineira, o interior de Minas Gerais. E o texto, sempre consciente de sua forma, nunca se deixa derramar pelo excesso de piedade por aquilo que foi e não voltará a ser. Há tristeza e felicidade na recordação, é bem verdade. O ‘arqueolhar’ de Marino mira o corpo mais íntimo e lança em ficção a memória da infância – sem se perder, contudo, em qualquer tipo de tentativa tola de balbuciar o passado com a poesia da busca, da recuperação do ‘eu’, tão comum e tão banal”
Sérgio de Sá
Alexandre Marino nasceu em Passos, MG, em 1956. Vive desde 1982 em Brasília, onde trabalha com jornalismo, publicidade e assessoria de imprensa, depois de atuar durante 13 anos nas redações do Jornal de Brasília, Correio Braziliense, Jornal do Brasil e O Estado de S. Paulo. Tem publicados contos e poemas em grande número de revistas e jornais de literatura. Tem publicados Os operários da palavra (Belo Horizonte, Ed. Batangüera, 1979), O delírio dos búzios (Brasília, Varanda, 1999), entre outros. Bloga em: http://alexandremarino.com
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