Por Geraldo Lima
–
Estou pronto para morrer, ele disse com uma voz que já trazia em si a ruína e o
silêncio.
Ela abriu a veneziana, como se
cavasse uma fuga, e um vento frio a fez encolher um pouco mais para dentro do
roupão. Um casal de pássaros, num voo-relâmpago, passou rente à janela. Parecia
se pegar em pleno voo, ora quase tocando o chão, ora erguendo-se rumo às
nuvens. Talvez os dois estivessem se acasalando, e aquela violência toda fosse
só o modo de explicitar o desejo.
Durou poucos segundos esse balé
desvairado, o suficiente, no entanto, para arrebatá-la. O suficiente para
arrancá-la dali, daquele ambiente de falência múltipla. Assim que os pássaros sumiram
mais adiante, em meio à copa dos abacateiros, ela foi sugada de novo para
dentro dessa realidade prestes a se decompor.
– Estou pronto para morrer, ele repetiu,
como se estivesse enfiando um prego na mente dela.
Ela fechou a veneziana e foi até o
quarto. Abriu a gaveta da cômoda e do meio das roupas tirou um objeto que lhe
provocou calafrios. Deu vontade de sentir de novo o vento frio na cara antes
que tudo ruísse diante dos seus olhos.
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