Por Geraldo Lima
A cena inicial do filme ‘Ladrões de
bicicleta’, de Vittorio de Sica (1948), revela muito da alma do protagonista
Antonio Ricci (Lamberto Maggiorani). A história se passa na Itália do
pós-guerra, e, obviamente, achar um emprego num cenário desses não é fácil.
Antonio e mais uma centena de homens estão à espera de serem chamados para uma
vaga de emprego. Todos estão ali, atentos, aflitos, menos o nosso protagonista:
ele se afasta e, ao ser chamado pelo funcionário da agência de empregos, não
escuta. É preciso que um amigo corra até ele e o avise. E é por esse ar
desatendo, num mundo marcado pela necessidade e pelo desespero, que ele se verá
metido em dificuldades. É o típico personagem que nos faz balançar ora a seu
favor, ora contra suas ações desastradas. Sentimos pena e raiva ao mesmo tempo.
Antonio representa bem o tipo de pessoa talhada para ser perdedora numa
sociedade que exige do indivíduo atenção e praticidade constantes. Não é
permitido vacilar num cenário tão desfavorável à vida. ‘Ladrões de bicicleta’
nos conta uma história comovente numa Roma destroçada pela guerra. Em suma, essa obra-prima do Neorrealismo nos
leva a mergulhar fundo no desespero humano.
No filme
'Pulp Fiction - Tempo de Violência', de Quentin Tarantino, há uma cena que me
arrebatou e à qual já assisti uma dezena de vezes. Trata-se da cena em que a
personagem Mia Wallace (Uma Thurman) prepara-se para sair com Vincent Vegas (John
Travolta). Ao som de 'Son of a Preacher Man', na voz de Dusty Springfield, ela
se levanta e começa a caminhar. A câmera, em close, acompanha seus pés que parecem
flutuar. Isso é de uma beleza ímpar. Simples e belo. Um poema em forma de
imagem em movimento. A junção perfeita entre imagem, som e movimento. O filme é
uma obra-prima, e há outras tantas cenas maravilhosas nele. Essa me encantou
pela leveza e pelo que ela prenuncia.
A certa
altura do filme 'Império dos sentidos', do diretor japonês Nagisa Oshima, o
amante introduz, suavemente, um ovo na vagina da amante. Em seguida, ela fica
de cócoras e bota o ovo. Entrega-o ao amante que o come sorrindo. Essa cena é
de uma beleza estranha e extrema, para além, muito além do gosto ocidental. Nagisa
faleceu recentemente e a sétima arte perdeu um dos seus grandes mestres. Em
suma, a Arte perdeu um dos seus grandes transgressores.
Em 1980, ano
em que foi lançado o filme ‘A Idade da Terra’, de Glauber Rocha, minha mente
estava tomada por ideias revolucionárias. Ia atrás de qualquer estética que
fugisse ao convencional. Assim, acompanhava pelos jornais a trajetória do novo
filme do cineasta baiano e me deixava embriagar pela polêmica que a obra estava
provocando. Diziam que poucos espectadores permaneciam até o final de cada
sessão. Assisti ao filme no Cine Brasília. Era verdade o que os jornais diziam:
várias pessoas não resistiram nem a trinta minutos de exibição e abandonaram a
sala de cinema. Eu resisti. Mais que isso: saí de lá tomado pela estética
delirante e dionisíaca desse que seria o último filme de Glauber Rocha. Uma
cena, em especial, ocuparia (e ainda ocupa) a minha mente de forma quase
obsessiva. Trata-se da cena em que o personagem de Tarcísio Meira, à beira-mar,
repete, à exaustão, a seguinte fala (que sofre, na sequência, algumas
variações):”Nós estamos condenados. Houve uma implosão no centro da Terra. Os
nossos alicerces foram destruídos. A qualquer momento poderemos ser tragados
pelo abismo”. Ele dizia isso e depois beijava a personagem da Ana Maria
Magalhães. Mas a fala que mais repercutiu em minha mente foi esta: “Esta é a
cloaca do universo!”. Ele dizia isso apontando para o lixo que as ondas
arremessavam contra as pedras. A câmera girava e girava loucamente. E eu saí do
cinema com a cabeça a mil, entrei no ônibus e ali mesmo escrevi um texto que
tinha a pretensão de explicar toda aquela loucura genial do diretor de ‘Deus e
o diabo na terra do sol’.
O cinema é cheio de imagens puramente poéticas. Aproveito aqui para dar a ideia de expandir esta postagem. Gostei muito das cenas escolhidas e quem sabe esta pode ser uma seção por aqui? rs Muito coerente a sua análise e gostaria de ler mais sobre esta visão poética dos filmes nas suas palavras. Abraços!
ResponderExcluirMarcos, devo ter ainda umas três cenas de filmes que eu gostaria de comentar. Falo de cenas que me impactaram. Vamos ver se não me faltará engenho e arte nesse caso. Grato pela leitura e pelo comentário, meu amigo. Um abração.
ResponderExcluirFico aguardando sim. Ler este post até me inspirou! :D
Excluir