Por
Geraldo Lima
Ir ao cinema e não comprar um saco
de pipocas parece não fazer sentido para muitas pessoas. Vai-se ao cinema, há
de se supor, mais pela pipoca que pelo filme. Para as crianças e os adolescentes,
então, nem se fala. Que pai ou mãe ousaria levar os filhos para assistir a um
dos sucessos de bilheteria do momento (quase sempre um filme hollywoodiano) sem
meter a mão no bolso para bancar a bendita pipoca? Pipoca e refrigerante, é bom
que se diga.
Não sou nenhum sociólogo ou
estudioso do comportamento humano, mas é possível deduzir que, durante a exibição
de um filme de ação, desses marcados por pancadaria, à medida que a tensão vai
aumentando,aumenta também a frequência com que o espectador saca pipocas do
saco e as leva à boca. Puro reflexo. Creio que chega a ser aflitivo esse
imergir e emergir da mão. E como todos
estarão fisgados pela movimentação incessante na tela, – explosões, tiros,
socos etc. – ninguém se sentirá incomodado com o estalar generalizado da pipoca
sendo mastigada. Não há necessidade de pausa para reflexão. Aliás, o que menos
se faz num filme desse gênero é refletir. Mas, num filme que exige a leitura
atenta de cada gesto ou de cada fala, a coisa muda de figura. Enfim, como
suportar, durante a exibição de um filme de arte, a presença de alguém produzindo
ruídos incômodos ao retirar pipocas do interior do saco de papel?
Dia desses, eu e minha esposa fomos
ao cinema no Plano Piloto, – num desses onde se pode escolher ainda entre uma
boa leva de filmes de arte. Após
analisar os cartazes e as sinopses, decidimos pelo “O último amor de Mr. Morgan”,
que traz no elenco o ótimo ator Michael Caine. Pareceu-nos interessante a história de um
senhor que, após a morte da esposa, precisa encontrar motivação para continuar
vivendo, e vai encontrá-la numa jovem professora de dança chamada Pauline. A
história se passa em Paris, e isso nos pareceu também um bom motivo para
escolher esse filme. Faltavam ainda vinte minutos para o início da exibição da
película, mesmo assim resolvemos entrar e aguardar lá dentro, no conforto de
uma poltrona.
Assim que sentamos, percebemos, do
lado direito, um senhor gordinho acompanhado de uma senhora e de um gigantesco
saco de pipocas. O saco estava apoiado no cume da sua barriga e toda a sua
atividade físico-motora voltava-se para o ato de retirar as pipocas do seu
interior e levá-las à boca. Fazia isso sem pausa alguma. E, para nosso desespero,
com ruídos pra lá de incômodos. Faltavam ainda uns quinze minutos para o início
do filme, e achamos que esse seria um tempo suficiente para o glutão devorar
todas aquelas pipocas e deixar nossos ouvidos em paz. Com a rapidez com que ele
as triturava, logo o saco estaria vazio.
Para aflição de todos, passados uns
trinta minutos após o início da projeção, lá estava o senhor barrigudinho e
insensível metendo ainda a mão no interior do saco e devorando pipocas com uma
fome infinita. Não havia como não se distrair com a irritante trilha sonora
produzida por ele. Sons intensos e exasperantes. Não havia como manter o foco no
desenrolar da trama. A súbita alegria do senhor Morgan passa distante do nosso
olhar. A vontade era levantar-se, ir até
a poltrona do energúmeno e sacar-lhe das mãos o seu objeto de prazer. Aquele
infeliz não se tocava de jeito nenhum. Centenas de olhares o fuzilavam, e nada!E
chegou ao absurdo de meter meio braço dentro do saco em busca das últimas
pipocas. Não satisfeito – e sem se dar
conta do ridículo! – pôs o saco diante
dos olhos e vasculhou-lhe o interior em busca ainda de alguma pipoca. De algum
fragmento de pipoca. De algum farelo. Mas não havia nem ar lá dentro mais.
Frustrado, talvez, amassou o saco. E fez isso com extrema calma e maldade. Frio
e metódico. Imaginem o sadismo desse gesto e a ira que tomou conta de todos
nós.
Como não estava ali para assistir ao
filme (deve ter ido de má vontade para acompanhar a esposa), acabou roncando
durante algumas passagens da história. Não parecia nem um pouco interessado em
se deixar envolver pela delicadeza e sensibilidade que Sandra Nettelbeck
imprimiu ao seu filme. É bem provável
que tenha odiado o filme e amado incondicionalmente a pipoca. Creio que durante
seu cochilo tenha sonhado com um mundo tomado por milhos de pipoca estourando
em irresistíveis cascatas brancas.
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