Por
Geraldo Lima
Tomei contato com os textos de
Claudio Parreira no extinto O BULE, blog literário do qual fomos
colunistas. O humor, a narrativa ágil e
envolvente, as frases curtas, sem floreios, a temática variada, criando vasto
painel sobre as mazelas que afligem o ser humano, tudo isso me fez gostar da
sua narrativa desde o princípio. Parreira explora, de modo bastante irreverente,
a seara do fantástico e do absurdo, dando sutis estocadas no senso comum e no
real insosso.
A sua biografia nos dá conta de que
ele já foi colaborador da revista Bundas, do jornal O Pasquim 21, Caros Amigos
on-line e da agência Carta Maior. Em 2012 lançou seu primeiro livro, o romance Gabriel (Editora Draco). Agora, mais
recentemente, lançou o livro de contos Delirium
(Editora Penalux), e é sobre ele que tecerei alguns comentários.
Delirium
é composto por
vinte e nove contos. Boa parte deles pode ser classificada como minicontos,
como é o caso de Mariana, Camarim, O vendedor
de datas e Ponto de vista. Os longos, no caso, não passam de sete ou oito
páginas. A narrativa, em boa parte deles, é feita em primeira pessoa e,
predominantemente, por um narrador masculino. Fantástico e absurdo se alternam, atravessados pelo humor e pela ironia,
elementos marcantes na obra de Claudio Parreira. Um tema parece predominar ao
longo do livro: a solidão do indivíduo na urbe moderna.
É bom que se diga que esse tipo
solitário, retratado nos contos de Delirium,
é sempre do sexo masculino (a mulher aparece aí, geralmente, como a femme fatale ou como a mulher misteriosa, quase impalpável). No conto Z, o protagonista, por exemplo, amarga sua solidão há
séculos (eis a presença do fantástico) por ter violado o acordo feito com Ana,
mulher misteriosa que lhe surgiu do meio da multidão (ou “desse hospício”, como
diz o narrador-personagem). O acordo consistia em não abrir o livro que ela
havia colocado diante dele, no chão. Ao se render à curiosidade, ele trai a
confiança dela, levando-a a partir e se misturar de novo à multidão. Nesse conto, aliás, o enredo é bastante
complexo, pois o autor joga com a dualidade entre real (o que existiria de verdade, o palpável) e ficcional (o que é fruto da imaginação,
no caso, do personagem Z). Diz Ana: “Eu tenho todos os vícios – continuou ela.
– O pior deles é crer nos homens reais”. O que temos aí é a ficção dentro da
ficção, o ilusionismo arrastando o leitor para as teias da dúvida.
Exemplo clássico de narrativa do absurdo,
quase aos moldes de Kafka, Ausência de
crime aparece como um dos melhores contos desse volume. O protagonista se
vê, de repente, diante de uma situação que foge ao normal: um oficial entra em
sua casa com o objetivo de prendê-lo. Mas que crime ele praticou? Assim como o
personagem de O processo, de Kafka, não há, aparentemente, crime algum. O
processo, no entanto, desencadeou-se e parece irreversível. Até que aparece o
crime – e aqui entra a verve humorística, debochada, de Claudio Parreira: “–
Ausência de crime – falou. – Sua ficha é a única no País que ainda permanece
limpa, e isso, segundo o novo Código Penal, configura crime da mais alta
hediondez”. Ironia fina, se pensarmos no que acontece hoje no Brasil com a
corrupção contaminando todos os setores da sociedade. Parreira parece, no
entanto, esquivar-se de imprimir um tom muito sério ou sisudo à sua narrativa,
mesmo quando ela aponta para uma crítica mais contundente ao comportamento
humano.
Sobre os personagens que povoam Delirium, disse Luiz Bras: “São homens e
mulheres de natureza excêntrica. Comandados por outras leis físicas e
espirituais. Sua companhia incomoda, dá medo. Por isso gostei tanto de conhecer
essa gente”. O que Parreira faz é isto: apresentar-nos uma galeria de tipos
estranhos, gente que habita o reino do fantástico, da mágica, do irreal e, às
vezes, do real gasto e sufocante. Gente capaz de criar um sol dentro do quarto,
que flutua, que tira um crocodilo da boca, que vomita mitos. Gente que retrata, de certo modo, a
fragilidade da nossa existência. Daí a importância desses contos de Claudio
Parreira: apresentam a vida humana na sua complexidade, – ela que, muitas das
vezes, é marcada pela solidão e pela dor.
(Resenha publicada, originalmente, no Jornal Opção, em Goiânia)
(Resenha publicada, originalmente, no Jornal Opção, em Goiânia)
Verdadeiro orgulho estar aqui no Baque! Valeu, Geraldo!
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