Por Geraldo Lima
DOBRA 2.
A
casa era imensa. Um labirinto. Um desdobrar contínuo de cômodos e móveis. E ele
entrara ali sem saber bem por quê. Um convidado? Alguém da família que
retornara depois de anos e anos morando longe? O filho pródigo retornando ao
seio da família? Misturou-se aos presentes, tentando obter respostas. Jornada
ingrata, infrutífera. Seu corpo, esbarrando em outro, não recebia sinais desse
contato. Suas palavras, migrando da boca rumo a um ouvido qualquer, não
encontravam receptor e perdiam-se no emaranhado de conversas e risos.
Não
pode precisar, agora, se aquela reunião era uma festa ou um velório. A imagem
de um morto de terno escuro, dentro de um caixão no centro da sala, em torno do
qual todos se revezavam, ora serenos,
ora mortificados pela dor, vem vez ou
outra à sua mente. Mas imagina que seja a imagem de um outro lugar, num outro
tempo, pois já não é comum as pessoas velarem assim, em casa, servindo aos
presentes, entre uma salve-rainha e um pai-nosso, um cafezinho com biscoitos e
pães de queijo. Numa cidadezinha do interior, talvez ainda fosse possível. Lá,
a realidade persiste inalterada e mítica. Mas naquela cidade, que parecia ter
crescido assustadoramente, desertando-se dos traços primevos, alargando-se para
além do seu útero, inchando, perdendo-se de si mesma, ah, naquela cidade, um
ritual assim só seria possível num sonho.
Se
era uma festa, faltavam, no entanto,
alguns ingredientes, como música e bebida. Havia, pelo esvoaçar de
frases, o entrechocar de conversas, o tilintar de palavras debatendo-se na loca
das bocas, algo de festivo, a autêntica alegria das pessoas que se reencontram
depois de longo tempo separadas. Mas era só isso, nada mais. Ao mesmo tempo,
vem-lhe à mente a imagem de um ambiente carregado, de vozes que altercam, e
esse esvoaçar de frases é só o resultado desse combate verbal.
Quem
eram as pessoas que lá estavam?
Tenta,
em vão, resgatar da lixeira da mente alguns nomes, mas a tentativa esbarra na
imprecisão, pois nomes e pessoas não se casam. Aquele, ao qual chamavam de
Alex, talvez fosse, na verdade, Lúcio; e aquela, que passou o tempo todo
sentada num canto, isolada, às vezes choramingando, às vezes rindo baixinho,
tímida, indecifrável, incapaz de encontrar um elo que a ligasse aos demais,
talvez nem se chamasse Denise; Maria, provavelmente, fosse Eulália; mas
Eulália lhe parece um nome fora de moda,
quase um arcaísmo, e não se encaixa no perfil da mocinha que atravessou a sala
e arrastou atrás de si alguns olhares masculinos fisgados pelo torneio das suas
pernas de penugem dourada.
Foi
atrás dela que seu olhar, inexplicavelmente, empreendeu uma viagem alucinada e
parece não ter voltado mais àquele momento, como se de repente tivesse
escorrido por uma fenda no tempo, caindo noutro espaço, ainda mais impreciso.
(Continua...)