Por Geraldo Lima
Dois
corpos
Disse-lhe, a voz sumindo no vão seco
da garganta:
– Não posso encostar nem o dedo
em você.
Ela fez que não ouviu – ou ouviu,
mas ignorou. Aproximou-se mais de mim. Estava tão próxima agora que o seu
cheiro batia denso e nítido nas minhas narinas. Eu senti o coração disparar,
tomado pela emoção e pelo desejo.
– Não posso. Se eu encostar a mão em
você, um tanto assim, tudo desanda.
Eu perco o rumo de casa, já não vou mais saber quem sou. Entende por que não
posso?
Ela quase roçou o corpo no meu, e
seu cheiro adocicado, mistura de ervas e danação, me envolveu num transe sem
volta.
Foi tudo tão rápido, tão fora do meu
controle: ela pegou a minha mão e a colocou sobre um dos seios – eu sempre quis
aquilo, desde o princípio dos tempos!
– Você não devia ter feito isso, meu
anjo, foi tudo o que consegui dizer.
Depois, foi pura consumação: brasa, carvão
e cinza.
Odisseu
Estou prestes a adentrar uma região
vasta, assustadoramente vasta. Mundo ermo, movediço, imprevisível. A partir
daquele ponto ali, onde a luz cega e alucina, meu ser vagará à deriva, entregue
aos caprichos da sedução.
Posso, nesse caso, fechar os olhos e
tapar os ouvidos, blindando-me contra o
fascínio da beleza e a magia da voz. Poderia, inclusive, fazer meia-volta e
retornar daqui, onde sinto ainda a terra, firme e segura, sob meus pés.
Poderia. Mas uma força extrema me arrasta para fora de mim. Ah, um deus furioso
deve ter me atirado nessa aventura insana, pois nunca alimentei em mim tanto
desvario.
Ouço o canto da sereia e avanço
despido de razão e prudência.
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