Por
Geraldo Lima
O cara chega para você e mostra uma
imagem no celular, em que um negro, vestido de vigilante, guarda a entrada de
um estabelecimento qualquer. Então o cara diz, com a intenção de provocar
graça: Não parece o Joaquim Barbosa? Há, de fato, uma legenda acima da imagem,
que diz o seguinte (se não me falha a memória): “O novo emprego do ex-ministro
Joaquim Barbosa”.
A intenção é esta: fazê-lo rir
daquela imagem que satiriza a figura do ex-ministro Joaquim Barbosa. Mas por
que aquilo deveria fazê-lo rir? Embora
você nunca tenha gostado do estilo de o ex-ministro agir como magistrado,
tampouco votaria nele numa eventual candidatura à Presidência da República, não
encontra motivos para dar risadas. Há um travo na garganta que o paralisa, que
começa a comprimir seu coração. Uma lucidez que não lhe permite entregar-se
cegamente à galhofa mantém-lhe os olhos bem abertos, dilatados ao extremo. No ato, você enxerga ali a verdadeira
intenção daquela imagem. É a sociedade brasileira apontando, de acordo com sua
visão racista, com os resquícios ainda da casa grande e da senzala, o lugar do
negro. O lugar do negro e do pardo. O lugar do negro, do pardo e do mulato na
nossa estrutura social! Que história é esta, não é?, de o negro achar que pode
ser outra coisa senão isto: um vigilante ou um segurança. Quem disse que um
negro, neste país, pode aspirar a ser um ministro, ainda mais da mais alta Corte
da Justiça, o STF? Essa é a mensagem dura e cruel que aquela imagem, travestida
de piada, quer nos dizer.
Mas o cara espera que você ria,
mesmo porque ele já está rindo e o ambiente, naquele instante, está todo
contaminado por esse clima de alegria e descontração, com todos exibindo, em
seus celulares, vídeos muito engraçados. Você, e somente você, iria querer
então desafinar o coro dos contentes? Iria posar de chato numa situação dessas,
mesmo que a leitura daquela imagem (e olha que você não queria isso, de
verdade, ainda mais num momento festivo) tenha rasgado de vez o véu das
ilusões? Mas o cara lhe mostra a imagem e espera que você ria, e ria bastante,
às gargalhadas. Você ri, fazer o quê? Mas o cara não percebe, nem poderia
perceber, que não se trata de um riso: é uma dor, uma ferida, um rasgo na carne
o que lhe salta do rosto.
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