segunda-feira, 17 de agosto de 2009

DEMORÔ (PAULO KAUIM)


Vicente de Paulo Siqueira

“o poema: nuvem de plástico lua de urucum”


Chegou o “Demorô”, primeiro livro de Paulo Kauim. Não esquecer que o poeta inaugurou sua poesia e sua coragem ali nos idos da década de oitenta, quando se fechava o ciclo da geração mimeógrafo. Lembro-me de “Carruagem de Polícia” e “Pelo pelourinho”, que já marcavam/esboçavam seu estilo, versos que não titubeiam ante o real: Filhos de Ghandi: lá vem a nuvem de gafanhotos brancos. Ou: lá vai bashô com seu televisor mitsubishi, olhar-haicai, escrever-pensar-conceber por imagens.
O livro, mesmo sendo uma reunião peneirada do que o poeta vem produzindo ao longo desses anos-milênios, essas décadas-dias, com uma irregularidade que parece proposital, está mais para a concisão que para o palavrório (que minha poesia tenha as linhas do buriti), mais para a surpresa que para a repetição. Não é uma poesia de guetos, sejam sindicatos, academias, associações, guetos concretos ou marginais, mas uma que se quer plástica, punk, Andy Warhol e Basquiat, juntos, requinte e precariedade, labor e improviso. Uma poesia sobre o agora, rigor e delicadeza nas várias vozes que soam no livro (são sete unidades: a pulso, entre os dentes de uma bacante, africânticos, parentes do tempo, bonsai, rodagem, sem nonato o mundo é o palha e grafite): a do mimeógrafo-construtivista, que explode em jogar prosa fora pela poesia, verso (verso? esse trem ainda existe?) que aparece três vezes, três círculos que andam a dizer jogar prosa fora pela poesia, significante refazendo o significado, espelhando-o, reexplodindo a página; a do rapsodo que canta sua urbe e ruínas, na perspectiva de um amor que nos salve a todos: amor:/ parente do tempo/ eterno. E a voz da denúncia, que não se altera, não deixa a poesia perder o tom por causa da causa: aqui/ ninguém/ morre/ de/ morrer/ é/ tudo/ morte/ matada/ ou/ no transito/ ou/ na periferia/ ou/ na reforma agrária.
Ou nada: é uma voz só, que se reparte, que dança, ecoa, reverbera nas e entre as sete unidades.
Em “João Sem Plumas” (“Entre os dentes de uma bacante”), a voz de poeta do verso, pensamento e punho, a fala precisa, como a de João Cabral. Para falar do poeta pernambucano, Kauim veste-se de sua voz, deixa fundir seu estilo ao dele: a língua de joão/ não é de cão/ da arcádia/ a língua de joão/ é espessa (de/ cadela pernambucana)/ (...) Aprendo com joão/ a ser/ oceano e sertão/ não há plumas/ em cabral/ há lama e urina/ ele é o rio/ miró de caruaru/ é severino e sevilha/ joão/ rosa da zona/ da mata. Mas não é essa a preocupação que move o livro (embora seja essa a voz que dá sustentação a sua composição), porque logo o poeta é outro, é outra voz: um dia/ ser/ gabriel beckman/ furar/ a asa/ de bike/ amolar/ sua/ melopéia/ dechavar/ sua não/ sintaxe(...), voz de poeta humano/urbano, que brinca, que se alegra e parece não querer o verso langue ou os grandes temas, que simplifica pra fazer significar: ela ladainha/ liquidificador/ laranja da terra(...)/ índia de plumagem punk(...)/ ela é tão cega/(...) água do mediterrâneo/ água do godard/(...) espirra baleia/ poesia pelo atlas/ virgulina. O poeta diminui a voltagem aqui e ali, ziguezagueia seu(s) estilo(s), inventa bonsais e vem à carga, solta relâmpago e trovão, assim, palavra pouca/dizer muito(Ezra Pound): tudo/ errado/ futuro/ arcaico/ édipo/ invertido/ mama/ mamilo de/ laio.

Afeito às propostas da poesia concreta, à visualidade do poema, Kauim faz desfilar sua simpatia pelo rap, alusões ao samba e a sambistas, haicais, instantâneos sobre a cidade e à própria poesia, uma lição de alegria estética, certo vigor/furor no modo de dizer/dizer-se, exaltação explícita aos mestres, como Oswald de Andrade, João Cabral, João Guimarães Rosa, Noel.
Parafraseando Machado de Assis, o que se deve exigir de um poeta é certo sentimento íntimo, certa honestidade intelectual, apesar de ser tão difícil conceituar um negócio desse. Parece que é esse sentimento, essa honestidade que guiam sua poética (mais que os paradigmas concretos ou marginais). Em vez de nuvens na cabeça, Kauim traz o gosto pela filosofia: sou de ferrro e filosofia; daquele modo informal, porque os poetas parecem pensar de maneira pre-filosófica, pelo viés da imagem: meu/ pai/ em/ pernambucana/ prosódia/ entre/ calos/ entre canas/ repete/ a melhor religião é outro.

6 comentários:

  1. Mis saludos desde Santiago de CHILE

    Leo Lobos

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  2. Valeu, Leo Lobos. Prazer imenso em receber suas saudações.

    Abraço.

    Geraldo Lima

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  3. Velho amigo,
    Quando vai rolar aquela cerveja domingueira na feirinha, entre alaridos, hortaliças e reminiscências? Tínhamos nos prometido, lembra? E já faz alguns anos. Já faz muito tempo.

    A culpa é minha, eu sei. Ando por aí como um condenado, arrastando meu medo de avião pelo Brasil afora, mal parando em Brasília. Cadê tempo pra cuidar dos amigos, que é o que vale no final das contas?

    Novidades: dois “jabutáveis” na lista dos finalistas didáticos(Julia) e paradidáticos(eu) da CBL – 2009. Preciso te mandar esses livros.

    Preciso fazer muita coisa, a começar por rever meu mais antigo companheiro de jornada. Essas urgências depois dos 50 parecem as primeiras friagens de inverno, prenunciam coisas...

    Uma inconfidência: algum dos leitores sabe que Geraldo ganhou o Concurso de Contos de São Bernardo quando aquele era o maior prêmio do gênero? Em 82, se não me engano... Só para lembrar do que deve ser louvado: o passado.

    Grande abraço, a gente se vê!

    Ricardo Moreira

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  4. Velho amigo, como estou precisando desse tipo de alento,dessas conversas sem tempo cronometrado. Nunca estive tão estressado. Estou quase à beira de uma depressão, de um colapso. Agora mesmo estou doente, com uma gripe que só me pegou porque devo estar com baixa imunidade. Há alegrias e frustrações com o livro. Aos cinquenta, esse tipo de coisa vai dando vontade de parar. Mas, como um pai que se frustra inicialmente com o filho que nasce com alguma anomalia, vou tentando criar amor pela cria. Ah, aquele prêmio me deu gás, mas ainda estou patinando quase que no início da pista. Bom saber que vocês estou indo bem, e que o prêmio venha!Se você estiver por aí, apareça lá no dia 10. A felicidade será em dobro.

    Um abração.

    geraldo Lima

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  5. saúde mano geraldo

    saúde para chegança do filhum



    um abraço pernambucano

    kauim

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  6. Geraldo
    Que bom saber que o romance saiu.Espero que tenha muita sorte nessa nova empreitada.Fico feliz porque você sabe enfrentar desafios,lançando-se a novas experiências.Escrever é um dom de poucos como você.Continue nessa caminhada ,que há um longo caminho a trilhar.Sucesso.
    Ivanildes( CEM 01 de Sobradinho)

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