domingo, 28 de junho de 2015

Piada?

Por Geraldo Lima

O cara chega para você e mostra uma imagem no celular, em que um negro, vestido de vigilante, guarda a entrada de um estabelecimento qualquer. Então o cara diz, com a intenção de provocar graça: Não parece o Joaquim Barbosa? Há, de fato, uma legenda acima da imagem, que diz o seguinte (se não me falha a memória): “O novo emprego do ex-ministro Joaquim Barbosa”.

A intenção é esta: fazê-lo rir daquela imagem que satiriza a figura do ex-ministro Joaquim Barbosa. Mas por que aquilo deveria fazê-lo rir?  Embora você nunca tenha gostado do estilo de o ex-ministro agir como magistrado, tampouco votaria nele numa eventual candidatura à Presidência da República, não encontra motivos para dar risadas. Há um travo na garganta que o paralisa, que começa a comprimir seu coração. Uma lucidez que não lhe permite entregar-se cegamente à galhofa mantém-lhe os olhos bem abertos, dilatados ao extremo.  No ato, você enxerga ali a verdadeira intenção daquela imagem. É a sociedade brasileira apontando, de acordo com sua visão racista, com os resquícios ainda da casa grande e da senzala, o lugar do negro. O lugar do negro e do pardo. O lugar do negro, do pardo e do mulato na nossa estrutura social! Que história é esta, não é?, de o negro achar que pode ser outra coisa senão isto: um vigilante ou um segurança. Quem disse que um negro, neste país, pode aspirar a ser um ministro, ainda mais da mais alta Corte da Justiça, o STF? Essa é a mensagem dura e cruel que aquela imagem, travestida de piada, quer nos dizer.

Mas o cara espera que você ria, mesmo porque ele já está rindo e o ambiente, naquele instante, está todo contaminado por esse clima de alegria e descontração, com todos exibindo, em seus celulares, vídeos muito engraçados. Você, e somente você, iria querer então desafinar o coro dos contentes? Iria posar de chato numa situação dessas, mesmo que a leitura daquela imagem (e olha que você não queria isso, de verdade, ainda mais num momento festivo) tenha rasgado de vez o véu das ilusões? Mas o cara lhe mostra a imagem e espera que você ria, e ria bastante, às gargalhadas. Você ri, fazer o quê? Mas o cara não percebe, nem poderia perceber, que não se trata de um riso: é uma dor, uma ferida, um rasgo na carne o que lhe salta do rosto.