domingo, 22 de junho de 2014

Cena


Por Geraldo Lima


O tempo não estancou sua marcha implacável, e tudo continuou a desenrolar-se num realismo bruto e seco. A consciência dela, tampouco, fechou-se num quarto escuro, louca e insensível. Pelo contrário, aflorou-se ainda mais, ampliando, desse jeito, a dramaticidade do ato, o pavor e o princípio de remorso. O corpo dele, espasmódico no piso da sala, não era uma simples sensação. Assim como a mão direita dela, fraca e trêmula, pendendo pela força da gravidade e pelo peso do metal ainda quente.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Ombro

Por Geraldo Lima
 
Deixou a alça da blusa escorrer pelo ombro, descobrindo-o todo, desnudando-o sem pudor aparente, a pele, a carne, a parte mais visível do ser ali, dada, exposta, latejando. Esse pequeno descuido, esse relaxo quase sem propósito, esse marketing súbito, sem almejar um efeito imediato, ali, em plena avenida, a céu aberto, exposto aos olhos de Deus e do Diabo, dos que se julgam santos e dos que já se renderam a todo tipo de danação, isso, esse gesto sem um cálculo preciso, que veio assim sem esboço, sem script, sem o "Ação! gravando!" de algum diretor invisível, fez com ele desviasse alguns centímetros do trajeto, no que costumamos chamar de "perder o rumo", "ficar sem norte", "andar à deriva", fez com que se alienasse de tudo o mais à sua volta, questão de segundos, milésimos de segundo, uma eternidade na frequência dos desejos e do encanto.