sexta-feira, 23 de julho de 2010

CRIME E ESPETÁCULO MIDIÁTICO


Por Geraldo Lima

Outra vez, o circo dos horrores. Já assistimos a esse trailer antes: o crime hediondo e o espetáculo armado pela mídia.
Vinte e quatro horas por dia, os fajutos programinhas de televisão, misturando entretenimento e informação, na busca da audiência a qualquer custo, mastigam, trituram, remoem, regurgitam o assunto, a tragédia, o horror, o ato hediondo, expondo detalhes da barbárie sem se importar se crianças estão assistindo ou não. Tudo em nome da “informação”. Já ouvi alguém dizer que as crianças estão chocadas com o crime cometido pelo goleiro Bruno e seus amigos. Dizem que é pelo fato de ele ser um ídolo e jogador de um dos maiores times do país. Pode ser, mas como não ficariam chocadas diante desse espetáculo veiculado por todas as televisões, dia e noite, com riqueza de detalhes? Poderíamos acrescentar sem medo de cometer injustiça: veiculado com mórbida riqueza de detalhes.
O que me assusta mais em tudo isso é a facilidade com que muitas pessoas se deixam envolver emocionalmente com toda essa situação, a ponto de irem para a rua gritar, xingar e, se for preciso, linchar o acusado do crime. Isso reflete o poder da mídia televisiva de envolver o telespectador em sua trama de informações que, às vezes, não tem ainda sustentação na realidade. Lembram-se das cenas de execução pública do passado a que as pessoas assistiam como se estivessem diante de um espetáculo teatral? Pois ainda não saímos desse período. A cena que mais me chocou e deixou indignado foi a de um pai que levou as filhas pequenas para verem a passagem do goleiro Bruno rumo à delegacia. Disse o pai que elas estavam muito tristes pois gostavam muito do goleiro do Flamengo. Mais do que tristes, essas meninas ficarão traumatizadas e cientes de uma realidade da qual não precisariam saber tão cedo.
Dizem os tais programas televisivos, hipocritamente, que a intenção é deixar o telespectador informado de tudo o que está acontecendo. Pergunto-lhes eu: para que o telespectador precisa saber de tudo o que está acontecendo ou que poderia ter acontecido? Por acaso ele vai ajudar a solucionar o crime? Que interessa ao telespectador detalhes que só à polícia interessariam? Aonde esse tipo de informação pode levar o telespectador? Por acaso ele vai crescer intelectual e espiritualmente com informações sobre a vida dos envolvidos? Mas a vida de alguns deles, de uma pobreza intelectual gritante, é exposta sem pudor, como se isso fosse, no momento, o fato que mais nos interessasse.
Triste tudo isso. E vai continuar a ser assim. Mas cabe a nós, cidadãos, a atitude crítica em relação a esse espetáculo midiático da pobreza intelectual: podemos desligar o televisor, mudar de canal, virar a página do jornal ou da revista em busca de algo mais interessante, que possa nos elevar cultural e espiritualmente. Deixemos o circo dos horrores para os que, de fato, sentem algum prazer com a fruição de tudo isso.

(Texto publicado, originalmente, no Jornal de Sobradinho e no Jornal Opção, em Goiânia)


sábado, 10 de julho de 2010

A POESIA DE ROBERTO PIVA


 
Por Geraldo Lima

O poeta Roberto Piva faleceu no dia 03 de julho no Instituto do Coração, em São Paulo, deixando um vazio na cena literária brasileira.  A sua poesia, que só agora começa a ser reconhecida pelo seu alto valor literário, traz a marca da ousadia estética e temática. Sob a influência do Surrealismo, expressou-se através de uma linguagem repleta de imagens imprevisíveis e desconcertantes, de um lirismo que procura dar vazão plena ao ser chocado com o mundo ao seu redor, mais especificamente a cidade de São Paulo. Das leituras de Rimbaud, herdou o “desregramento de todos os sentidos”, e dos poetas da Beat Generation, o ritmo não-linear, jazzístico, quase de colagem de imagens e ideias. Murilo Mendes, Walt Whitman, Mário de Andrade, Garcia Lorca, Baudelaire são outros poetas cuja influência povoa os versos do autor de Paranoia. Foi sob o signo da liberdade que Piva criou seus poemas, não fazendo concessões em busca da fama rápida, fugaz. Fez poesia para reverberar por gerações e gerações. Sua alma de xamã habita entre nós. Abaixo, um dos seus poemas retirado do livro Paranoia, republicado pelo Instituto Moreira Salles, em 2000.

RUA DAS PALMEIRAS

Minha visão com os cabelos presos nos rumores
                               [de uma rua o sol fazendo
         florescer as persianas por detrás do futuro
meu impulso de conquistar a Terra violentamente
                                          [descendo uma rua
         gasta
minha vertigem entornando a alma violentamente
                                  por uma rua estranha
os insetos  as nuvens costuram o espaço
        [avermelhado de um céu sem dentes
as copeiras se estabelecem nas sacadas para gritar
o sangue fermenta debaixo das tábuas
meninas saem de mãos dadas sem que a Terra
                          [deixe marca nas unhas
onde está tua alma sempre que o velho Anjo
                                   [ conquista as árvores
           com seu sêmen?
os aviões desencadeiam uma saudade metálica
                                   [do outro lado do mundo
colunas de vômito vacilam pelos olhos dos loucos
corpos de bebês mortos apontam na direção de
                                                [uma praça vazia
o tapume os vultos meu delírio prestes a serem
                                                [obliterados pelo
           crepúsculo
almas inoxidáveis flutuando sobre a estação das
                                     [angústias suarentas
as palavras cobrem com carícias negras os
                                              [fios telefônicos
no ar no vento nas poças as bocas apodrecem  
                                             [enquanto a noite
              soluça no alto de uma ponte


Roberto Piva nasceu em 1937, na cidade de São Paulo, onde sempre viveu. Figurava ativa no meio cultural e poético paulistano desde a juventude, teve seus primeiros poemas publicados na célebre Antologia dos novíssimos (Massao Ohno, 1961). Publicou os livros de poemas Paranoia (Massao Ohno, 1963, Instituto Moreira Salles, 2000), Piazzas (Massao Ohno, 1964, Kairós, 1980), Abra os olhos e diga ah! (massao Ohno, 1975), Coxas (Feira de Poesia, 1979), 20 poemas com brócoli (Massao Ohno/Roswitha Kempf, 1981), Quizumba (Global, 1983), Antologia poética (L & PM, 1985) e Ciclones (Nankin, 1997). Todos esses livros foram reunidos nos volumes Um estrangeiro na legião, Mala na mão & asas pretas e Estranhos sinais de Saturno (Globo, 2005, 2006, 2008).

Leia também n'O BULE tributo a Piva:
link: O BULE

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A POESIA DE HÉLVERTON BAIANO


  
Por Geraldo Lima
Hélverton Baiano é poeta, cronista, contista e jornalista. Nascido em Correntina, BA, em 1960, vive há bastante tempo em Goiânia, GO, participando ativamente da vida cultural da cidade. Já publicou nove livros, entre eles: 69 poesias dos lençóis e da carne (Edição Independente), parceria com Gilson Cavalcante, 1983; É sassá canagem (poemas - livreto xerografado, Edições Porranenhuma, Goiânia, 1989; Algemas de algodão (contos, Ed. Instituto Goiano do Livro, da Agência Goiana Pedro Ludovico Teixeira, Agepel, Goiânia, 2002.
A prosa e a poesia de Hélverton Baiano são marcadas, basicamente, pelo tom crítico, irônico e, às vezes, satírico. O lirismo da sua poesia não exclui a consciência crítica. No livro Paraíso profano, porém, as questões existenciais ganham relevo. O ser no mundo é que interessa ao poeta nesse livro. E temas recorrentes na poesia de todos os tempos estão lá, como a Morte e o Amor: “Sempre a perguntar o porquê dos caminhos/que cruzam e que a sorte e o azar se esganam/a morte é um fio, o poema nos rema/contra a correnteza daqueles que nos enganam” (Remansos). “O amor é roto, sara e fere” (Leve amor) O poeta busca, no campo formal, explorar a sonoridade dos versos com aliterações e assonâncias, aproximando-se, nesse aspecto, da herança da poesia simbolista entre nós: ”os ventres varridos na fúria vingança/vomitam divinos prazeres bisonhos”.

O que disseram sobre a poesia de Hélverton Baiano:
 ”Este livro é construído com a argamassa do solo da alma do autor”. (Geraldo Pereira, poeta).
“Um poeta raro: denso, melancólico, nostálgico, lírico, social e político. Desses que sabem que inventário humano não é feito apenas de palavras e significados, mas, sobretudo, de sentimentos indizíveis e intraduzíveis.” (Carlos Willian, poeta e jornalista)
“Você segue com desenvoltura os caminhos da poesia, com verve e criatividade.” (Nelly Novaes Coelho, professora e escritora)
“Falo do Confecção de poesia, um livro de bolso que, ao contrário do que possa parecer, carrega uma densidade poética de fazer inveja  a muito livro grande...” (Ubirajara Galli, escritor)

TRÊS POEMAS DO LIVRO PARAÍSO PROFANO:
II – A POESIA
Nunca consigo
sem fantasia
ver os contornos
da poesia.

Essa felina
que me adorna
mesmo em senões
ela me entorna.

Nessa viagem
que nunca acaba
sofro a palavra
que em mim desaba.

Mistérios entram
nus em meu mundo
mas só ela escapa
no que confundo.

CARNE SECA
Viajeiros de passos agrestes
passageiros estropiados
plantadores de andanças
e desafiadores de destinos
cerne carne seca
onde o sol a sol fustiga
cáustico
os parcos tons da esperança
no mister de perseguir infinitos.

DESCASO
A que hora o desgraçado vem zombar de nossa luta
sabendo apenas massacrar?

A que hora ele nos traz feridas
em chamas de sangue derramado?

Ainda, a essa hora, diz que nada adianta...

Ele não conhece a aurora!