sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Mais um ano que se vai



Vassouras plantadas perto do Congresso Nacional pelo movimento Corrupção "cada NÃO conta" 


Por Geraldo Lima

Mais um ano caminha resoluto para o fim inadiável. Mais um ano se junta aos destroços do passado e da memória. Mais um ano nos deixa envenenados pela dúvida e pela descrença.

Mais um ano perdido?

Mais um ano de conquistas ou de derrotas?

Mais um ano que resgatou nossa alegria e nossa esperança de mudanças profundas na sociedade brasileira?

Mais um ano em que nos vimos livres, enfim, dos males que nos mantêm atolados no lodo da frustração?

Mais um ano em que vimos, arrebatados, a justiça cumprindo seu papel de punir com rigor crimes contra o erário público e contra a dignidade do cidadão?

Mais um ano em que áreas essenciais, como Educação e Saúde, receberam a devida atenção dos governantes?

Mais um ano em que a violência sucumbiu aos apelos das pessoas de paz e sumiu do mapa?

Mais um ano em que palavras tão caras ao ser humano, como: amor, paz, honestidade, solidariedade etc., ganharam o primeiro plano nesse nosso palco cotidiano?

Mais um ano em que a esperteza e a malandragem dos políticos foram desmascaradas e execradas por todos os eleitores?

Mais um ano em que a ação dos gestores públicos foi no sentido de promover a máxima felicidade do povo?

Pois é, caro leitor, mais um ano que finda e as indagações são muitas. Tenho respostas para todas elas, mas deixo aqui, em aberto, para que cada um encontre a sua resposta. Bom seria que fossem respostas afirmativas, grávidas de otimismo e de esperança. Mas como podemos garantir isso? O presente, que já se faz passado, não nos anima tanto. Falta algo que nos redima de fato, que nos introduza, verdadeiramente, no reino da justiça e da dignidade humana. Pode ser que isso aconteça no ano que vem, que é um novo ano (e que assim seja), e, como somos o “país do futuro”, tudo pode acontecer lá, no povir. Por enquanto, só nos resta essa esperança  – quase clandestina  – que teima em manter-se latejando em nossa alma. Como a esperança é a última que morre, nos ensina a sabedoria popular, garantimos assim uma sobrevida.

PARA TODOS, UM FELIZ NATAL E UM ANO-NOVO VERDADEIRAMENTE NOVO!   

Texto publicado, originalmente, no Jornal de Sobradinho.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Para além de devaneios literários



 

Devaneios literários (crônicas)
1ª edição
Autora: Mariana Collares
208 páginas
ISBN 9788580450385
Bookess

Por Geraldo Lima

Creio que ninguém mais, em sã consciência, considera a crônica um gênero menor. Querer, por exemplo, confrontá-la com o romance para justificar a superioridade deste em relação a ela já não cabe mais. Ela, como qualquer outro gênero literário, apresenta características próprias que lhe dão relevo e vitalidade. Dentre essas características que lhe dão vida própria, destaca-se o fato de ela tratar, geralmente, de assuntos circunstanciais, fazendo uso de uma linguagem leve, sem rebuscamentos. Foi assim que cronistas como Rubem Braga e Paulo Mendes Campos, para ficar só nesses dois mestres, deram à crônica o status de grande literatura. E é assim também que a escritora Mariana Collares procede no seu belo ‘Devaneios literários’, livro de crônicas publicado pela Bookess, em 2011. 

O cronista deve ser, em primeiro lugar, um grande observador do cotidiano, percebendo aqueles detalhes que escapam à maioria dos mortais. Essa característica Mariana Collares apresenta com sobra. Ela tem um senso agudo de observação da vida cotidiana, e traduz isso em textos leves, mas que não deixar escapar a visão crítica e o senso de humor, dois ingredientes fundamentais na composição da crônica. Cito, para exemplificar o que acabo de dizer, duas crônicas presentes em ‘Devaneios literários’ (a primeira abre o livro e a segunda o fecha): “Notinhas do Fórum Social Mundial” e” Yoga para principiantes”.

Na primeira, em que predomina o diálogo, a autora nos mostra uma situação paradoxal: um freguês, participante do Fórum Social Mundial, entra em um restaurante e pede um chimarrão, mas é informado pelo garçom de que naquele estabelecimento não se vende tal produto. O espanto do freguês e a graça surgida a partir daí é porque a cena se dá em Porto Alegre. “– Mas como assim? Não estamos em Porto Alegre, a capital dos gaúchos, terra do chimarrão?”, indaga perplexo o freguês.  E fica ainda mais perplexo ao descobrir que naquele estabelecimento, que deveria apresentar em seu cardápio primeiramente os produtos da região, não se vende nem cafezinho. “– Você quer dizer que estamos no Brasil e não tem nem café?”, escandaliza-se o participante do Fórum Social Mundial. (E aqui podemos perceber uma característica dos textos de Mariana e, obviamente, da sua personalidade: a coragem de expor situações e temas sem medo de desagradar os outros. Satiriza, como se pode observar nessa crônica e em outras, comportamentos próprios dos seus conterrâneos sem perder, no entanto, o senso de humor.) Na segunda crônica, bem curta, como que ouvimos uma voz dando as coordenadas de um exercício de yoga. É, sem dúvida, a voz da professora ou do professor de yoga. Não há, no texto, senão esses comandos ditados pela voz. E onde reside a graça dessa situação? Na ligação entre o título (Yoga para principiantes) e a última frase do texto: “Ai, meu Deus, desmaiou”. A autora nos leva, nesse caso, a preencher as lacunas deixadas pela voz que apenas orienta os exercícios de yoga. Logo, vemo-nos imaginando que tipo de pessoa seria aquela que acabou de desmaiar, ou que tipo de reação a cena teria provocado nos demais alunos, caso houvesse outros no recinto. Não há como não se deixar envolver pelo riso e pela imaginação.

Sabemos que o espaço privilegiado da crônica é o jornal. Por isso ela traz essa marca da precariedade das matérias jornalísticas. Segundo Jorge de Sá, no seu livro ‘A crônica’ (Editora Ática), “A aparência de simplicidade, portanto, não quer dizer desconhecimento das artimanhas artísticas. Ela decorre do fato de que a crônica surge primeiro no jornal, herdando a sua precariedade, esse seu lado efêmero de quem nasce no começo de uma leitura e morre antes que se acabe o dia...”. Mas quando o cronista resolve colocar em livro as crônicas publicadas anteriormente no jornal (hoje, podemos falar de blogs e sites também como espaços onde a crônica aparece em primeira mão, e é nesse espaço virtual que surgem as crônicas de Mariana Collares), a coisa muda de figura: o que se pretende, agora, é tornar mais duradouro o que se pretendia apenas transitório. É assim que devemos analisar o ‘Devaneios literários’ da gaúcha Mariana Collares. O livro fecha-se num conjunto de textos que ganham vida e fôlego para sobreviver para além do suporte no qual apareceram inicialmente. São textos marcados ora pela espontaneidade da narrativa sem firulas, ora pela poesia, pelo lirismo, ora pela reflexão mais aguda, mais tensa. A qualidade do livro reflete-se tanto no conteúdo das crônicas quanto na destreza com que a autora as molda. Faço apenas uma ressalva, e talvez aí entre um dado subjetivo: não me agrada o título usado pela autora. Lembra-me certos livros de péssima poesia e textos passadistas, sem nenhuma conexão com a literatura contemporânea, o que não é o caso desse belo livro de Mariana Collares.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Oito nanocontos da Série Lascas



Por Geraldo Lima

Queria viver um amor de novela, profundo, intenso, mas não deu. O amante era raso, avesso a fantasias.

***

Disse que não, que gritaria, mas depois gemeu, chamando-o de meu amor.

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Já estava deitado quando ela chegou, tarde, esbarrando nos móveis e tateando no escuro em busca do banheiro.

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Arrastou-se até sair da lama. Ia morrer, mas com dignidade.

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O amor finou-se numa manhã de inverno. Seca, fria, ela negou-lhe um beijo.

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Depois do quinto copo, esqueceu os sermões do pastor: subiu na mesa e dançou como uma stripper. 

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A fumaça do incenso forma galáxias no centro da sala. É o fim, ele sabe. Ana cruza esse universo e evapora-se sem dizer adeus.

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Desde a infância carregava aquele corpo inexpressivo, carente de carne e força. Doenças e vagar a ermo alimentavam-se do seu ser.


Esses nanocontos foram publicados, originalmente, no Twitter. Alguns foram publicados no Facebook, no site O BULE   e no Jornal Opção.

Um pequeno incidente



Por Geraldo Lima

Há dias em que nos sentimos leves, equilibrados, em plena harmonia com o cosmo. Nosso ser, em dias assim, parece ter alcançado aquele estado de plenitude, de uma alegria vasta e contagiante. É tão intenso esse estado de espírito em nós que somos invadidos, a todo instante, pelo temor de que algo imprevisto (um pequeno incidente, por exemplo) venha a abalar ou fragmentar essa sensação de paz e vida plena. E esse pequeno e imprevisto incidente pode nos atingir com a potência de uma bomba atômica, pulverizando tudo o que nos tornava, em relação ao caos que geralmente reina ao redor, seres mais completos e sadios.

Sentia-me assim dia desses. Saí de casa para comprar comida, no domingo, tomado por essa sensação de leveza. Invadido por uma energia positiva e intensa, adentrei o restaurante. E quando estamos assim, alegres, iluminados, abertos ao mundo, sentimos uma necessidade incontida de estabelecer contado com o que se encontra em derredor, com os semelhantes, ainda que não façam parte do nosso círculo de amizades. Só isso pode explicar o fato de eu, quase num ato reflexo, ter ensaiado um cumprimento a um senhor de uma mesa próxima. Meneei a cabeça num cumprimento (quase como fazem os japoneses) assim que me deparei com sua figura me dirigindo um olhar. Aí está o engano, resultante do estado de euforia em que me encontrava. Aquele senhor olhava mesmo para mim? Demonstrava realmente me conhecer? Havia percebido o meu cumprimento?Ainda tentei uma segunda vez, mas, diante da sua figura marmórea, distante, percebi que fitava qualquer coisa, menos a mim. E, se me fitava, não estava dando a mínima importância para o meu cumprimento.

Já no momento em que enchia a marmita com a comida, pus-me a indagar de onde conhecia aquele senhor. Para a minha mente, o equívoco de ter cumprimentado uma pessoa totalmente desconhecida não era ainda admitido. Daí o labirinto de indagações em que me vi enredado. Fato é que, minutos depois, tive que me curvar à certeza de que nunca havia conversado com aquele senhor. A conclusão de que o havia confundido com outra pessoa não aplacava o desconforto e a angústia por ter “pagado um mico” daquele tamanho.

O leitor já deve ter percebido que, àquela altura, toda a minha paz de espírito e todo o equilíbrio psíquico que envolvia o meu ser haviam se esfarelado. A angústia mais corrosiva dominava a minha alma. Que tolice a minha ter me dirigido a um estranho com um cumprimento de cabeça! Por acaso me sentia (devido ao efeito narcótico da alegria vasta que me tomava inteiro) numa pequena cidade do interior, onde todos praticamente se conhecem? Dizem que Sobradinho tem um ar de cidade interiorana, no entanto já a percebo contaminada pela distância e pela pressa que costumam nos isolar num mundo particular, quase autista. Isso explica, talvez em parte, o que aconteceu naquele domingo.