sexta-feira, 17 de maio de 2013

Uma roupagem diferente para uma paisagem comum



 Por Geraldo Lima

Estava zapeando entre a miríade de canais pagos (uma vasta programação de obras inaproveitáveis), quando esbarrei numa imagem que logo me chamou a atenção: uma moça debruçada sobre o balcão de um café, o rosto apoiado ali, de lado, e na sequência um outro rosto que vai se aproximando dela, em busca da sua boca, cobrindo-a como num eclipse, até que a tela se escurece inteira num fade-out. Corta para uma rua, uma esquina, noite, e lá está a moça na calçada observando um casal que se movimenta num apartamento. Ela deixa claro que aquela visão a desagrada, faz meia-volta e desaparece. 

Peguei o filme já em andamento, não dava para saber quem era o diretor, sabia apenas que o título era “Um beijo roubado”, mas já havia percebido que, embora os atores e atrizes fossem norte-americanos (Jude Law, David Strathaim, Rachel Weisz, a cantora Norah Jones!..., e todos atuando magistralmente), a estética destoava muito daquela que comumente vemos nos filmes de Hollywood. A fotografia, marcada por um colorido intenso, lembrava em alguns momentos a pintura de Andy Warhol e enchia os olhos de cor.  Imagens em alta velocidade alternando-se com outras em câmera lenta, os gestos das personagens explorados nos mínimos detalhes (a mão que ergue o copo de bebida, o olhar embriago) dando à cena uma densidade perturbadora. Frenesi e calma, ruídos e silêncios. Não havia dúvida de que a história se passava nos Estados Unidos, pois os ambientes  e os personagens eram típicos desse país: as ruas de Nova Iorque, o bar de uma cidade de interior com sua clientela típica, a garçonete, depois Las Vegas, os cassinos, os jogadores de pôquer etc. etc. Porém a estética, estava bem claro, não tinha nada a ver com Hollywood! 


Ao final, quando os créditos começaram a subir, pude constatar que a minha desconfiança tinha razão de ser. O diretor chinês  Wong Kar-Wai (ou Kar-Wai Wong), com seu olhar oriental e singular,  conseguiu dar nova roupagem a toda uma temática comum nos filmes hollywoodianos. Constatei, no entanto, que a crítica, à época de lançamento do filme, desancou essa obra do diretor de “Amor à flor da pele”. O que descontentou os críticos foi exatamente o fato de Wong Kar-Wai ter colocado em cena espaços e situações já muito explorados pelo cinema de Hollywood. Mas me parece que a intenção do diretor de “Um beijo roubado” (My Blueberry Nights - China, França, Hong Kong, 2007) foi exatamente este: dar a esse cenário tão comum nos filmes norte-americanos uma estética diferente, delirante em alguns momentos, próxima às vezes de um certo experimentalismo. Não se trata de um olhar estrangeiro interessado em criticar o American way of life. Mostra-se ali uma história de decepção amorosa, de crise existencial, de busca de novo sentido para a vida, de reencontro e de recomeço. O enredo não é complicado, mas se estrutura de modo a nos dar uma visão ampla e densa sobre as relações humanas, e isso vale tanto para a terra de Tio Sam quanto para qualquer outra.  

sábado, 4 de maio de 2013

Um hai cai


de dentro da neve
um uivo gelado, branco:
um lobo se assoma



(Inspirado numa cena do filme Dr. Jivago)