sábado, 20 de agosto de 2016

Um poema?

 Por Geraldo Lima

Me deu um rompante à tardezinha hoje e resolvi fazer uns exercícios físicos: me retorci um pouco no solo, estalando articulações e distendendo músculos e nervos, depois dei umas pedaladas na Elíptica – longos 15 minutos –, tudo ao som tocante de Johnny Cash querendo me arrancar do aparelho de ginástica para me jogar na estrada. A cabeça, saturada de Olimpíadas e de ver o Brasil bater na trave sempre, pedia um esvaziar tranquilo e urgente, então fiquei um tempo sentado na biblioteca, com intenção de não fazer nada mesmo, apenas liberando o pensamento para vaguear por regiões ermas.  No entanto, depois de alguns minutos, achei melhor ocupar a mente com algo leve, próximo do riso, da galhofa – peguei o volume com todas as tirinhas do Garfield (presente do meu filho no dia do meu aniversário) e planejei ler pelo menos umas quinze, como venho fazendo todos os dias ao longo desses meses. Li umas dez tirinhas, ri das safadezas do Garfield se atracando com a balança e sacaneando o tolo do Jon, às vezes o tonto do Odie, às vezes o pobre do carteiro, às vezes as aranhas que teimam em descer do teto ou andar sobre a mesa (é sem fim o rol de vítimas desse gato debochado, perverso e simpático ao mesmo tempo), até bater uma sonolência que me obrigou a fechar o volume de tirinhas e ficar alguns minutos de olhos fechados, esperando Morfeu desistir de mim e ir em busca de alguém que estivesse a fim de se embrenhar no mundo dos sonhos antes do escurecer. Parecia que o mais estratégico era ficar mesmo ali sentado sem fazer nada, mal mal olhando pela porta entreaberta, que dá para a sacada e para o longe, um longe que morre nas luzes já acesas lá na Rodovia DF-150 e na BR-020, no vulto dos carros descendo rumo aos condomínios do Grande Colorado e à Fercal. Por um instante isso me deixou satisfeito, porém logo me veio a sensação de inutilidade e perda de tempo, que me obrigou a buscar de novo algo para ler, para ocupar a mente. Peguei o Jornal Rascunho, já com a intenção de ler os poemas de William Stafford, traduzidos por André Caramuru Aubert. Essa poesia falando sobre natureza, uma poesia que brota mesmo da natureza, de dentro dela, que revela os sentimento do poeta a partir desse contato íntimo com árvores, colinas e bichos, suas sensações e desejos mais profundos, esse é o tipo de poesia que eu gostaria de fazer e nunca fiz, o que talvez tenha me levado a me desgostar da minha temática sempre sombria e urbana, até o quase abandono do fazer poético. Essa poesia, como a do brasileiro Leonardo Fróes e a do norte-americano William Stafford, é que me diz muito agora, nesta quadra da minha vida que já declina e pende do galho-tempo. Em seguida, ainda no Rascunho, li um texto do poeta Ademir Assunção. Nesse texto híbrido, o narrador diz estar pensando em transformar o diário num romance. Por fim decide que será mesmo um romance, tudo num estilo que me lembrou muito o do escritor Claudio Parreira, com seu nonsense, seu tom irônico e escrachado. Achei que já havia lido demais e parei, fitando a noite que já dominava a paisagem despovoada de vagalumes e o céu vazio de estrelas cadentes. Minhas vistas alcançavam até as luzes nas cercanias da Torre de TV Digital, mas esse brilho distante me cansou também, empurrando-me para a sensação de angústia e de urgência de registrar esse instante e as sensações que dele emergiam, como legado para um futuro incerto e oco.


(Texto publicado, originalmente, no Jornal de Sobradinho)

segunda-feira, 1 de agosto de 2016