quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Ipês e haicais

Por Geraldo Lima


Não me canso: acompanho sempre, extasiado, a floração dos ipês. Este ano, então, eles deram um show. Foi um espetáculo de encher os olhos.  Em Sobradinho e no Plano Piloto, foi possível flagrá-los nesse estado de poesia e graça em vários lugares. Na Cidade Serrana, por exemplo, um ipê-branco, solitário à beira da pista, floriu e refloriu umas três ou quatro vezes na Quadra 14. Quando se imaginava que o seu espetáculo já havia acabado, que se cerrariam as cortinas, eis que ele, tal qual um mágico sacando flores da cartola, nos surpreendia ainda em meio às palmas e cobria-se de novo de branco. E mesmo depois, cobrindo-se já de verde, insistia numa tênue floração. Na Quadra Central, outro ipê-branco, espremido entre o asfalto e o comércio, ornando a pressa dos passantes, repetiu a mesma performance. Na Quadra 13, um ipê-amarelo capturava nosso olhar pela exuberância da sua floração. Na área verde, seu amarelo intenso se destacava acima das casas. Impossível era não enxergá-lo de longe e não se deixar atrair pela beleza da sua copa dourada. (Em seu curto período de governo, o ex-presidente Jânio Quadros, entre uma esquisitice e outra, fez bonito ao escolher o ipê-amarelo como a flor-símbolo do Brasil.).


Tomado pela magia dessa floração em série, do ipê-branco ao ipê-rosa, em meio à seca que assola o Distrito Federal, compus dois haicais tendo o ipê-branco e o ipê-amarelo como tema. Para quem não sabe, o haicai é um poema de origem japonesa, caracterizado pela concisão e pela objetividade. O haicai clássico (ou haiku, no Japão) obedece a uma forma fixa: o primeiro e o terceiro versos possuem cinco sílabas poéticas, e o segundo, sete. Mas, dependendo do poeta e do lugar, essa regra não é seguida. Nem mesmo a referência à natureza ou às estações do ano é observada. Eu, particularmente, componho os meus haicais seguindo a métrica clássica e mantendo a ligação com a natureza. Sou, desse modo, bem tradicionalista na confecção dessa pequena joia poética. No Brasil, quem popularizou o haicai foi o poeta Guilherme de Almeida. No Japão, entre os muitos haicaístas (ou haijin) que se destacaram, encontra-se Matsuô Bashô (1664-1694), “que se dedicou a fazer do haikai uma prática espiritual”.

Bom, caros leitores e caras leitoras, para lhes encher os olhos e inundar-lhes a alma de beleza e poesia, seguem aí os dois haicais que compus e os ipês que fotografei na Quadra 14 (ipê-branco) e na Quadra 13 (ipê-amarelo).


                                                                                                      
a seca medonha
e os ipês-brancos florindo
num jardim de cinzas



ipê-amarelo
diante dele, florido:
van Gogh em delírio

Texto publicado, originalmente, no Jornal de Sobradinho.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Sueli




Por Mariel Reis

às vezes ele me bate. não é toda noite, não. só quando não trago dinheiro. aí ele se zanga. tem muita mulher doida por ele e que se eu não fizer minha parte, posso dar adeus. eu não complico. enquanto ele fala, vou para o banho. me livro da catinga dos outros homens, me produzo. ele, lá, na cama, reclamando. xinga mesmo. bate na cara da tua putinha. abro o zíper e uma chupetinha rápida dobra o malandro. com uma boquinha de veludo dessas e você tá dura. não entendo. o papo muda. a viração não deu muito. otário tá em extinção, sentencia. amanhã você vai faturar mais pro seu amorzinho, não? belisca a minha coxa. sim, meu amor. amanhã tem mais. ele dá umazinha mixu­ruca. finjo. vai garanhão. mete fundo, na sua sue­lizinha. no fundo, um outro cliente. de outro tipo. praquele que a gente abre as pernas com prazer. e a gente é que paga. minha mãezinha, ele geme. minha mamãezinha. me castiga. morde o bico do meu peito. refeito, veste a roupa. me avisa que vol­ta amanhã. nada de artimanhas. quer o dinheiro. nem um tostão a mais ou a menos. me esbofeteia a cara. segura meu pescoço com as mãos como se fosse me esganar. perco o fôlego. meus pés saem do chão, a vista embaralha. mortinha de amor.

Conto extraído do livro 'Vida cachorra', de Mariel Reis.