segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

III. Strip-tease



                           

Por Geraldo Lima

                                     Que ventre mais polido logo debaixo do peito!                          
                                                                              (Ovídio)             
        
        Restou a calcinha: preta,  lycra com renda.

Peça mínima, semiocultando.

Quase nu frontal agora. Espelho suspenso no teto, prestes a reter a imagem móvel. O corpo dele na expectativa, se alterando.  Ela veio vindo, contida, sem exageros. Vista assim, dir-se-ia: para ela é a primeira vez.

 Junto dele, os seios. Barriga quase nenhuma. Por capricho, quem sabe, ela preservara a trilha de pelos. Uma estrela tatuada logo acima do púbis apontava a direção do abismo.  Talvez o gesto mais próximo fosse descer-lhe a calcinha e tocar-lhe a parte íntima em busca de algum sinal de prazer.  Sentado na cama, era só tombar de costas e arrastá-la junto. Conteve-se. Queria estar ali, a boca rente àquele umbigo, protelando o mistério.

Se pedisse para dançar, por certo ela o faria. Com gemidos, unhas nas costas, simulacro de gozo etc. etc. Cobraria mais por certas extravagâncias, tudo informado previamente. Olhando assim, quem adivinharia ali uma profissional? Para ele, no entanto, bastaria apenas um abraço sem o travo da grana.  Se pudesse, prolongaria ainda o gozo desse gesto.

Ela, porém, dispensava preliminares, demonstração de afeto, corpo em brasa.  Como não lhe restava nenhuma ilusão, tombou-o, enfim, na cama. Duas imagens fundiram-se no espelho. 

(Do livro de minicontos Tesselário, Selo 3 x 4, Editora Multifoco)

Do alvor de tesselas multicoloridas ao breu que berra catedrais



Por Denison Mendes



____Tece o mosaicontista ora tesselas imaculadas e transparentes ora o inexpugnável breu. Com maestria tesselária, subverte a natureza das coisas, palavras, espaço e tempo. Chegam ao paroxismo homem-quase, tamanha a capacidade artesã de cinzelar o instante e eternizar imagens.


____O tesselário ama a pedra, o vidro, o mármore, o granito... porque não os vê como tal, ele os enxerga como sujeitos a serem libertos da substância primitiva. Assim o faz Geraldo Lima, no livro Tesselário. O verbo é sua matéria-prima, e o resultado são mosaicos de rara beleza e transcendência.


____Logo de cara, a primeira tessela avisa cuidado. Mulher de organdi prima pela concisão e imagens a cirandear no pensamento. Olhos abertos. Eutanásia suspira em cinco linhas o que se tenta explicar em tratados. Já em Tesselário, que dá nome à obra, sentimos de perto o próprio Geraldo Lima, como se estivéssemos ao seu lado observando a angústia de sua criação.


____Terminada a primeira parte, respire e tome fôlego. Se tiver medo do escuro, acenda a luz. Aviso: não vá pensar que as letrinhas brancas no meio da escuridão são vestais. É breu puro.


____Após a leitura de Tesselário, cerro fileira junto aos leitores de Geraldo Lima. Autor singular e polissêmico, escritor que celebra fractais como se abraçasse o cosmo, a nós todos, os esquecidos e os que virão, infinitamente.


*Denison Mendes é autor do livro Bonsais Atômicos, selo 3x4 (Multifoco/RJ).