quinta-feira, 16 de setembro de 2010

ANTERO, UM DEMOCRATA


Por Geraldo Lima


       Duas palavras perseguem meu amigo Antero nos últimos dias: escárnio e asco.
        Encontrei-o dia desses numa padaria da cidade e pude constatar o grau de irritação que o acompanha ultimamente. Mal o cumprimentei, ele desabafou:
        – Tô puto da vida, cara.
        Quis saber o que o estava deixando naquele estado, já que ele, normalmente, é bastante calmo. Antero, enquanto esperava na fila, me confessou a causa da sua indignação:
        – Sou um democrata...
        – Um democrata cristão?, brinquei.
        Não achou graça e respondeu ríspido:
        – Que democrata cristão que nada! Esse tipo de coisa, pra mim, só esconde um lobo em pele de cordeiro.  Sou um democrata porque acredito na força da participação popular. Acredito, como os gregos antigos, pais disso tudo, na Ágora, na liberdade de expressão...   
        Vi que ele estava com o verbo solto e procurei não o  interromper mais, só fui confirmando com a cabeça.
        – Pra mim o que está acontecendo é escárnio.
        – Acontecendo em quê?
        – Nessas eleições.
        – Não entendi. Pra mim tá tudo de acordo com a Legislação.
        – Não entendo essa Legislação. Tem gente aí que deveria estar atrás das grades e se apresenta como candidato a representante do povo. Quer ser o meu representante no Legislativo, no...
        Nisso o rapaz por trás do balcão perguntou quem era o próximo.  Antero se apresentou e pediu cinco pães.  Voltou-se para mim:
        – Isso tudo me provoca asco. Dá vontade de vomitar.
        – Besteira ficar indignado assim. Os caras acabam eleitos e você vai ficar ainda mais puto da vida.
        – Minha esperança é que o povo analise bem antes de escolher o candidato.
        – É aí que mora o perigo.
        – Acho que não. Eu, particularmente, não comungo da opinião de Pelé de que “o povo não sabe votar”. Tenho esperanças. Estamos amadurecendo com a Democracia. E a Ficha Limpa vai ser um freio.
        Pegamos nossos pães e seguimos rumo ao caixa. Ele falando, eu ouvindo. Embora estivesse aborrecido com parte do processo eleitoral, ele enxergava uma luz no fim do túnel.
        Eu não posso dizer o mesmo. Sou bastante pessimista. Tenho minhas dúvidas, pois o jogo político envolve vários meandros. Mas naquele momento não quis contrariar meu amigo. Preferi que a sua indignação, atrelada à sua esperança na lucidez do povo, injetasse em mim um ânimo novo.