quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

CONTO Nº 02



                                 de Eugène Ionesco
                             Tradução: Geraldo Lima

         Naquela manhã, o papai de Josette levantou-se cedo. Ele tinha dormido bem porque, à noite, não havia ido ao restaurante comer chucrute. Ele não havia ido também tomar sopa de cebola na feira.  Não havia comido também chucrute em casa. O médico o havia proibido.  Papai está de dieta.  E como ele estava faminto ontem à noite, deitou-se bem cedo, pois “quem dorme esquece a fome”.
           
            Josette bateu à porta do quarto de seus pais. A mamãe havia partido. Ela não estava na cama, talvez ela estivesse sob a cama, ou talvez no armário, mas o armário estava trancado. Josette não pôde ver sua mamãe.

Jacqueline, a empregada, disse a Josette que sua mamãe havia  saído cedo porque  ela havia também deitado muito cedo: ela não havia estado no teatro de marionetes, ela não havia estado no teatro, ela não havia comido chucrute.

Jacqueline, a empregada, disse a Josette que sua mamãe acabara de sair com a sombrinha rosa e as luvas rosa, e os sapatos rosa, e o chapéu rosa com flores, com a carteira rosa, com o espelhinho na carteira, com o lindo vestido florido, com o bonito casaco florido, com suas meias floridas, com um belo buquê de flores nas mãos, porque a mamãe gosta de se vestir muito bem, a mamãe tem belos olhos iguais a duas flores.  Ela tem uma boca que parece uma flor.  Tem um pequeno nariz rosa como uma flor.  Os cabelos parecidos com flores. Ela tem flores nos cabelos.

Então Josette vai ver o  papai no escritório. O papai telefona, e ele fuma e fala ao telefone. Ele diz: “Alô senhor, alô, é o senhor?... Eu já havia pedido para o senhor não me telefonar mais. Olha, o senhor me aborrece.  Eu não tenho nem mais um segundo a perder”.

Josette pergunta ao seu papai:
—    Você fala ao telefone?

O papai desliga o telefone. Ele diz:
— Isso não é um telefone.

            Josette responde:
            — É sim, é um telefone. Foi a mamãe que me disse. Foi a Jacqueline que me disse.
         
   O papai retruca:
            — Sua mamãe e Jacqueline estão erradas. Sua mamãe e Jacqueline não sabem como isto se chama. Isto se chama queijo.
            — Isso se chama queijo? pergunta Josette. Então  a gente deve acreditar que  é  queijo.
            — Não, diz o papai, porque o queijo não se chama queijo, ele se chama caixa de música. A caixa de música chama-se tapete. O tapete chama-se abajur. O teto chama-se soalho. O soalho chama-se teto. A parede chama-se porta.
         
   E o papai ensina a Josette o sentido correto das palavras. A cadeira é uma janela. A janela é um tinteiro.  A almofada é um pão. O pão é o tapete do quarto.  Os pés são as orelhas. Os braços são os pés.  A cabeça  é  o bumbum. O bumbum é a cabeça.  Os olhos são os dedos. Os dedos são os olhos.

            Então Josette fala tal qual seu pai lhe ensina. Ela diz:
            — Eu olho pela cadeira comendo minha almofada.  Eu abro a parede, eu caminho com minhas orelhas. Eu tenho dez olhos para caminhar, eu tenho dois dedos para olhar.  Eu me sento com minha cabeça sobre o soalho. Eu ponho meu bumbum no  teto.  Quando eu como a caixa de música, eu passo doce no tapete do quarto e tenho uma boa sobremesa.  Pegue a janela,  papai, e desenhe as  imagens pra mim.
             
            Josette tem uma dúvida:
—    Como se chamam as imagens?

O papai responde:
            — As imagens?... Como se chamam as imagens?... Não se deve dizer “imagens”, deve-se dizer “imagens”.
         
   Jacqueline chega. Josette corre em direção a ela e lhe diz:
            — Jacqueline, você sabe, as imagens  não são as imagens, as imagens são as imagens.
         
   Jacqueline diz:
            — Ah! ainda as bobagens do seu pai!... Mas sim, minha  criança, as imagens não se chamam as imagens, elas se chamam as imagens.
         
   Então o papai diz a Jacqueline:
—    É bem isso que Josette lhe disse.
—    Não, diz Jacqueline, ela diz o contrário.
—    Não, retruca o papai, é você que diz o contrário.
—    Não, é você.
—    Não, é você.
—    Os dois dizem a mesma coisa, diz  Josette.    
         
 E eis que chega então a mamãe de Josette, como uma flor com flores no seu vestido florido, sua carteira florida, seu chapéu enfeitado de flores, seus olhos iguais a flores,  sua boca como uma flor...
—    Onde você foi tão cedo?, pergunta-lhe papai.
—    Colher flores, responde-lhe mamãe.

E Josette diz:
            — Mamãe, você abriu a parede.

         
Eugène Ionesco nasceu em 26.11.1909 (Slatina, Romênia) e faleceu em 28.03.1994 (Paris, França). Escritor e dramaturgo. Autor da peça A Cantora Careca, considerada marco inicial do Teatro do Absurdo.


5 comentários:

  1. Olá, Geraldo Lima. Somos quase xarás... Na verdade, eu me chamo JOSÉ GERALDO DE LIMA, mas a simplificação do nome fica melhor. Aliás, muita gente me conhece assim. Achei seu blog, meio sem querer, para falar a verdade. Digitei o meu nome - ou melhor, nosso nome - no Google, só por curiosidade e fiquei surpreso de observar quantos "Geraldo's Lima" existem por este mundo afora. Seu blog me chamou a atenção, porque agora inventei também de escrever um blog. É claro que não tenho qualificações tais como as suas. Aliás, muito pelo contrário. Fiquei impressionado com a diversidade de obras que você já publicou e/ou participou. Eu, por outro lado, sou um simples escritor informal. Apenas gosto de escrever e achei que o blog pudesse ser um exercício interessante. Meu blog, caso tenha curiosidade de visitar, chama-se "Prosa, Verso & Reverso" e encontra-se no seguinte endereço: http://geraldolima12.blogspot.com/

    Lá eu tenho postado coisas simples criadas por mim mesmo a partir daquilo que sinto e vejo em meu cotidiano. São escritas despretensiosas, de alguém que ama escrever e que deseja, com humildade, aprender um pouco mais. É por isso, que como amante da leitura, tenho adicionado alguns blogs como o seu, por exemplo, a uma seleta lista de endereços interessantes a se seguir. Acredito que você seja muito ocupado, mas se achar que pode tirar alguns minutos para deixar alguma mensagem, crítica ou conselho/sugestão sobre as coisas que escrevo, apreciaria muito pela sua experiência e qualidade como escritor.

    Agradeço a oportunidade e foi um grande prazer descobrir esse espaço seu. Sinto-me orgulhoso de ter um xará tão talentoso. Abraço.

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  2. Fala, Geraldo! Puxa, tomei um susto qdo abri os comentários do blog. Muito obrigado pelos elogios; na verdade, nem recebo muitos não. E sempre são muito bem vindos. Sabe como é essa alma que teima em ser artista...
    Gosto de ler, então começo a seguir seu blog; sobrando um tempinho aqui, outro ali, vou lendo.
    Abração

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  3. Rapaz, eu estou quase mudando o meu nome... É a segunda vez que alguém me confunde com você, Geraldo, talentoso autor deste blog. Uma delas está relacionada com Gilberto, cujo comentário está acima postado. Fiz alguns elogios a ele, em seu blog de desenhos e ao que parece, ele pensou ter sido você. Já mandei a Gilberto sincero pedido de desculpas pela confusão e peço a você também, Geraldo. Por favor, se o fato de sermos xarás estiver trazendo transtorno a você, avise-me, pois se for necessário, estou disposto a usar um pseudônimo ou algo similar. Desculpe, mas desculpe mesmo toda essa confusão... Grande abraço!

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  4. Olá, Xará, parece que está havendo problema sim. E como tenho uma obra em andamento, livros publicados, textos em jornais e sites, fica difícil mudar de nome a essa altura do campeonato. Se continuar assim, isso pode prejudicar tanto a mim quanto a você.

    Um abraço.

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