sábado, 10 de abril de 2010





Ronaldo Costa Fernandes, escritor nascido no Maranhão e residente em Brasília há alguns anos, é autor de vários livros (romances, contos, poesia, ensaios) e ganhador de importantes  prêmios literários, entre eles o APCA e o Casa de las Américas.
Isso parece ser suficiente para mostrar que estamos diante de um autor que não precisa provar mais nada a ninguém.  Trata-se de um escritor rigoroso na construção do texto, capaz de mesclar técnica e olhar crítico sobre a realidade cotidiana, angústia e ironia ao revelar seu mal-estar no mundo. Ele é desses escritores que escrevem com a fiação do corpo exposta. Sua poesia é do tipo que repercute em nossa alma, – coisa rara hoje em dia.  Ler os seus poemas é mergulhar no lirismo denso e ácido.
Sobre o seu livro a Máquina das Mãos, publicado pela 7 Letras, escreveu o jornalista e professor Sérgio  Sá:

       Resenha de A máquina das mãos / Correio Braziliense (abril 2009)

RONALDO, O CRAQUE

                                                Sérgio Sá

Recebo em casa e leio na contracapa o poema intitulado “Hopper”. É o suficiente para voltar ao forte e imobilizador impacto (como se diante de um quadro de Edward Hopper) sempre provocado pela poesia de Ronaldo Costa Fernandes (foto), que está de livro novo, com título de ressonância drummondiana: A máquina das mãos (7Letras). Autor de outros quatro volumes de poesia e uma série de obras em prosa, Ronaldo escreve porque precisa sobreviver, porque não poderia ser diferente, escreve porque do contrário não haveria existência. A poesia de Ronaldo oferece a cabeça do leitor em bandeja de prata, tira-lhe do prumo, sufoca, faz respirar, angustia, abre o sorriso em meio a um humor despedaçado, triste, melancólico.
Ronaldo faz poemas legíveis sobre uma erudição sem tamanho, submersa na paisagem desoladora da vida urbana. No posfácio, Hildeberto Barbosa Filho diz que Ronaldo toca “o exato limite entre a falta e o excesso, evitando a obscuridade dita inventiva por um lado e, por outro, a facilidade expressiva”. Equilibra-se, portanto, na corda bamba entre a experimentação e a comunicação.
Escreve sobre as cidades de modo geral e sobre Brasília em particular. Em “Lúcio Costa”, pergunta: “São de rodas teus sonhos?/ Há eixos e tesouras na utopia?/ De que material é feito o desejo/ Existe forma no escape, na fuga, na evasão das avenidas?/ Os aviões com sua turbo-hélice obsedante/ A cidade redonda sem círculo que a encerre”. E a mão continua certeira em “Torre”, “Samuel Rawet” e “Rodoviária”. Ronaldo também escreve “Poema para o poeta Fernando Mendes Vianna morto”.
O que mais esperar da poesia senão essa queda no abismo? A máquina formata os versos que já são pensamentos. As mãos tremem para repetir no papel a mente “que quer ser corpo e que dói”. É dolorido ler os poemas projetados por essa tecnologia humana que luta contra as asperezas da vida sem nunca deixar de senti-las.
Se a poesia ainda fizesse sentido, se ainda mexesse nos sentimentos do mundo, Ronaldo Costa Fernandes seria um bambambã, em seu sentido de autoridade. Remexe dentro da língua e da linguagem, traz novos significados para esse marasmo sem chuva, leva o leitor para dentro de um corpo que somente a poesia promete: coração dilacerado pelo que poderia ser mas não é, pelo rito do nascimento-e-morte, pela sede de saber que o tempo está passando e vivemos tão pouco, tão mesquinhamente, tão perto do afeto de sermos sós e tão pouco. O leitor agradece que Ronaldo cometa o “delito da poesia”, uma poesia que dá cãibra, colocando-nos em outro lugar, distante, dormente e, ainda assim, doce.

        SEGUEM DOIS POEMAS DO LIVRO A MÁQUINA DAS MÃOS:

CARTA PARA A MÃE

Por que me deste dois pés de esponja,
se sabias que o caminho era pantanoso?
Por que me deste este desequilíbrio,
este perigo de alto mar ao atravessar a rua?
Esta saliva de areia,
este estômago que digere a si próprio
este nervo exposto,
esta memória feita de cobogós?
Por que me fizeste
com estatura pequena,
eu, que tenho um metro e oitenta?
Por que não terminaste meu rosto
que só tem um lado
e, por isso, não posso dar a outra face?

HOPPER

Em Hopper, não há a solidão que todos dizem.

Aquele casal na lanchonete,
as moças no quarto
ou no vagão de trem
estão imobilizados de vida
 – de vida tão grave
que nada escapa (como nos buracos negros)
de seu campo de gravidade.

Ali estão os autômatos de Hopper
Em sua fantástica viagem em torno de si mesmo.

Não é a vida americana
que é criticada.
O que nos desnorteia em Hopper
– e nos fascina –
é que nos vemos na lanchonete,
na parada de ônibus ou no vagão de trem.
Estamos imobilizados – hopperianos –
em têmpera e coloridos,
fixos na tela do tempo,
e, irremediavelmente, presos a nós mesmos,
a vida como um quadro americano
do qual não podemos escapar.

Ronaldo Costa Fernandes é autor de mais quatro livros de poesia. Estreou com Estrangeiro (1997). Vieram em seguida Terratreme (1998), que ganhou o Prêmio Bolsa de Literatura, pela Secretaria de Cultura de Brasília. Mais tarde publicou Andarilho (2000) e Eterno passageiro (2004). Ganhou vários prêmios (APCA, Casa de las Américas, entre outros).  Também publicou livros na área de ficção e ensaios.

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