quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Cupim


                        (Fonte: Google)

Por Geraldo Lima
 
O nome científico  do distinto é coptotermes formosanus, e ele  faz parte de um grupo até eclético, incluindo aí as asquerosas baratas e o predador louva-a-deus. O que assombra é que há mais de duas mil espécies dessa praga no mundo.  No Brasil, só para se ter uma ideia, há quatro famílias desse devorador de móveis, livros, árvores, sossego etc., etc., etc. Como esse inseto gosta de regiões quentes, aqui é o paraíso para ele. Tanto no solo (cupim de solo) quanto na madeira (cupim de madeira seca), ele prospera aos milhares.

Os cupins são seres surpreendentes: formam uma sociedade organizadíssima (se brincar, mais do que a nossa), composta de rei, rainha, ninfas, soldados e operários, todos cumprindo à risca o seu papel na colônia, sem greves, sem protestos, sem reivindicação alguma. Pasmem: a rainha é capaz de pôr um ovo a cada vinte e oito segundos, gerando em torno de três milhões de ovos por ano. E a infeliz pode viver de vinte e cinco a cinquenta anos. Jesus Cristo, isso é uma eternidade!

Por que estou aqui a falar (como diriam os portugueses) desse ser tão indesejado? Imaginem um armário de cerejeira, quase vinte anos de uso, coisa de primeira, sendo corroído lentamente, metodicamente, silenciosamente, por um exército de cupins surgido não se sabe bem de onde. Um belo dia (ou um horrendo dia?), o piso aparece forrado de grânulos fecais. Poético, não? Grânulos fecais... Só soube que se tratava do cocô do maldito tempos depois, até então pensava que eram apenas farelos da madeira. O que fazer? Era apenas um buraquinho na madeira, um orifício de 3 a 4 mm de diâmetro, então pensei na minha suprema arrogância: vai ser fácil acabar com esses danados. Passei logo da teoria à prática: comprei o veneno e inundei o buraquinho por onde eles se livravam dos tais grânulos fecais e por onde saem também, fiquei sabendo depois,  as aleluias na primavera (os tais cupins alados que são atraídos pela luz).  

Fiquei na expectativa durante umas três semanas, até concluir, aliviado, que os invasores haviam desaparecido.

Vitória!

Oh, ilusão! Oh, santa ignorância!  

Dias depois, eis o chão forrado de novo de grânulos fecais. Para meu desespero, outro orifício, ou melhor, outros orifícios salpicavam a madeira do armário. Atingiam pontos diferentes, como a porta e a lateral.  Do desespero passei à ira. Parti para a briga indignado. E tome veneno! Eu os exterminava, e eles ressuscitavam dias depois. Essa luta levou dias, meses, até eu admitir com humildade que não conseguiria vencê-los totalmente. A ideia, agora, era manter o jogo empatado, alimentando a sensação de que eu estava conseguindo adiar a inevitável vitória do inimigo: eu batia o veneno, e eles sumiam... logo depois reapareciam; eu batia o veneno, e eles sumiam... logo depois reapareciam... e a vida ia em frente, fora e dentro das galerias escavadas na madeira.

A estratégia estava funcionando. Havia dias e dias de trégua. Meu ser era só esperança: quem sabe, num lance de sorte, eu não conseguiria virar o jogo?  

Meus caros, lutar contra cupim, sem as armas adequadas, é uma luta vã. É como lutar contra o câncer.

Dias desses, tendo que fazer uma reforma no apartamento, fomos obrigados a tirar o armário do lugar. Só então o câncer apareceu em toda a sua extensão. De ponta a ponta do móvel havia cupim. E eu pensando que estavam só ali, na superfície, na parte frontal. Atrás, dos lados, em cima, tudo tomado pelo exército devorador. Até nas revistas e recortes de jornais (sou um obsessivo guardador de papel) eles haviam penetrado. Usando sua potente perfuratriz, um deles abriu um furo que atravessou o bloco de revistas de um lado ao outro. Em outras o estrago foi maior: figuras inteiras foram devoradas, restando apenas um pedaço de papel em frangalhos.

O diagnóstico era um só: o armário estava condenado. Para que a praga não se alastrasse para outros móveis, tivemos que nos desfazer dele. E foi como se estivéssemos nos desfazendo de uma parte do nosso ser. Sei que estou parecendo dramático, exagerado, mas foi assim mesmo, afinal, era uma parte da nossa história que aqueles cupins haviam destruído.

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