domingo, 13 de dezembro de 2015

Sobre a poesia de Muna Ahmad


Por Geraldo Lima

Muna Ahmad escreve há bastante tempo, mas ainda não teve a oportunidade de apresentar sua poesia a um número maior de leitores. Agora, com este livro de estreia, em que ela reúne sua produção de longa data, podemos, enfim, ter acesso à sua sensibilidade poética e ao seu domínio técnico da arte da palavra.

Nos cinquenta poemas que compõem o livro, na sua maioria curtos, – alguns são haicais e outros com  influência  da Geração Mimeógrafo ou Poesia Marginal da década de 70 ­– podemos nos deparar com registros líricos de cenas do cotidiano (“de manhã cabelos deixados na pia/bordam o branco de nossa convivência”), fragmentos de memória (“Ataliba Nina e Mimi,/subir e descer nas pernas do ‘m’/ mão vacilante/afundando o grafite/ no terror da página em branco”), referências ao Oriente Médio (“céu aberto/cáfila silenciosa/cruza o deserto”) até a simples descrição enumerativa de uma paisagem (“parafuso margarida pneu/abandono magnético/folhas na relva”). Embora marcados, essencialmente, pela emoção, pelo lirismo, nada aí chega ao transbordamento romântico. O uso da justaposição ou parataxe na composição de boa parte dos poemas inibe, de certo modo, o tom discursivo ou retórico e exige que o leitor participe da montagem final do texto em busca de um significado. Esse leitor, num poema como “jardim”, por exemplo, será ainda surpreendido por um instantâneo de haicai, de clique de máquina fotográfica, de pincelada impressionista.     

Ao escolher uma palavra de origem árabe para dar título ao seu livro, Muna pode nos dar a entender que o território afetivo em que sua poesia transita ou habita se circunscreve apenas ao mundo islâmico, mas, ao lermos seus poemas, essa impressão logo se desfaz. Sua ascendência árabe tem presença forte neles, mas a cultura brasileira e a nossa paisagem também se destacam ao longo do livro. Filha de pai palestino e mãe brasileira, suas raízes afetivas e culturais estão, de fato, fincadas em dois mundos.


Seus poemas, assim como o título do livro sugere (Muxarabi significa “muro de concreto em forma de arabesco que filtra a luz”), filtram a emoção e a percepção da realidade de modo que a força do seu lirismo inunde a alma do leitor com delicadeza e intensidade ao mesmo tempo. É poesia que, após sua leitura, reverbera em nossa mente.  É poesia que, na sua aparente simplicidade, dialoga com a tradição e conecta-se, pela intertextualidade, com outros textos, como em Penélope: “teceu os dias/ele não veio/queimou o cinema”. Daí o convite, mais que urgente, à leitura desses poemas de Muna Ahmad.

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