segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

A narrativa ácida e inquietante de Rodrigo Novaes de Almeida

 


 
Por Geraldo Lima

 

Das pequenas corrupções cotidianas que nos levam à barbárie e outros contos [Patuá Editora, 2018], do escritor e editor Rodrigo Novaes de Almeida, traz vinte contos relativamente curtos que escancaram, com uma linguagem direta, sem rebuscamentos e pudores vocabulares, uma realidade dura, incômoda, em que os afetos e a esperança não prosperam. A obra, que esteve entre os semifinalistas do Prêmio Jabuti 2019, é um exemplo da literatura contundente e essencial que se produz hoje no país.

Dito assim, entendemos logo que não se trata de literatura de entretenimento. Nada de prosa água com açúcar. A arma de fogo, o falo ereto, a masturbação, a violência urbana, a indiferença permeiam as histórias narradas, ora na primeira pessoa, ora na terceira. A temática, nesse caso, contempla, na maioria dos casos, o lado sombrio do ser humano. “Eu era uma criança que desejava crescer logo, odiava não ser levado a sério pelos adultos. Eu enxergava o desdém nos seus olhos. Tinha vontade de matar todos eles. O sentimento mudou um pouco aos doze anos, quando ganhei de dia da criança minha primeira arma de fogo” [pág. 75]. Como não enxergar, nessa criatura, um dos muitos tipos que foram forjados nesse caldo de brutalidade e boçalidade que hoje gangrenam nosso mundo?  

Ao adentrarmos as páginas do livro de Rodrigo Novaes, vamos nos deparar com a realidade brutal e distópica dos nossos dias e com os mistérios e pavores que rondam a vida humana. Num conto como Ondina, é o mistério, avizinhando-se do terror, que impera; já em Voyeur, a violência e a indiferença diante do ato atroz.  Que fique então bem claro: o autor não tem, realmente, com essas narrativas cruas e mergulhadas no mundo abissal da violência, do abuso sexual na infância, do voyeurismo, da solidão urbana, da masturbação desenfreada etc., a intenção de apaziguar o espírito do leitor ou da leitora. Sua narrativa é do tipo que provoca o desassossego, a reflexão sobre a natureza humana e suas atitudes, às vezes, desprovidas de lucidez e afeto.  

Rodrigo tece sua narrativa sem aliviar a mão, usando, às veze, frases curtas, que nos colocam diretamente em contato com a mais devastadora realidade, como a do conto Aos oito anos: “papai morreu em um acidente de carro quando eu tinha quinze anos. meu presente torto de debutante, ter me livrado daquele homem. dois mil quinhentos e cinquenta e oito dias, como foi que eu esqueci?”.  Além disso, usa da sutileza de fazer com que elementos de uma história apareçam em outra, criando, dessa maneira, um elo entre elas, um sentido de continuidade. Há que se prestar atenção nesse detalhe para entender, inclusive, o que acontece em determinada história.   

Ao concluirmos a leitura da obra Das pequenas corrupções cotidianas que nos levam à barbárie e outros contos, somos, de imediato, instigados a pensar na contística de Rubem Fonseca e Dalton Trevisan, que têm retratado, de modo preciso e implacável, esse universo sombrio das relações humanas, contaminadas, principalmente, pela violência e pela secura de afetos. Nessa linha de construção de uma narrativa ficcional que nos assombra e nos lança na inquietude, Rodrigo Novaes de Almeida se apresenta como um dos mais promissores escritores da sua geração. 


[Resenha publicada, originalmente, no Jornal Opção

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