segunda-feira, 25 de janeiro de 2010




 FÉRIAS COM PIPAS    

                                                                          GERALDO LIMA

            O céu coalhado de pipas dá-lhe a certeza de que a meninada já  se desligou completamente do ambiente escolar, tendo passado ou não de série.  Só ele, pelo visto, após uma semana em férias, ainda não se libertou do jugo da rotina de trabalho: pega-se, vez ou outra, pensando em preparar a aula do dia seguinte, em preencher diários ou em corrigir provas. Uma semana, e ele ainda não conseguiu esvaziar a mente.
        Não se considera um viciado em trabalho, um “workaholic”, como se diz em inglês. Muito pelo contrário: sempre aguardou, com ânsia, que as ideias do sociólogo italiano Domenico de Masi, sobre o “ócio criativo”, fossem colocadas em prática logo. O futuro em que nós, seres humanos, escravos do estresse, teríamos mais tempo livre para o lazer. Vida, para ele, era a de Dorival Caymmi que, enquanto viveu, passou boas horas deitado na rede compondo, cantando ou simplesmente curtindo preguiça.
        É o que costuma pensar, mas, na prática, vive atolado em tarefas. Mesmo agora, longe do ambiente de trabalho, lista uma infinidade de coisinhas que pretende fazer durante as férias. Queria mesmo é ficar horas e horas sentado no sofá apenas contemplando, através do vidro da sacada, a movimentação na calçada ou o voo das andorinhas ao entardecer. Nenhuma responsabilidade, nenhuma tarefa, nenhum objetivo nesse momento senão este: deixar-se ficar ali, os olhos passeando livres no longe. Inação total. Nada que sirva à chamada vida produtiva.
        Sabe, também, que o ideal é viajar durante as férias. Sem isso, a pessoa não relaxa. E ele se agarra a esta palavra mágica: relaxar! O que ele não conseguiu ainda, após uma semana liberto, é relaxar-se. E agora tem a explicação para o problema que o aflige: ficar em casa, durante as férias, é prolongar a rotina de trabalho do ano inteiro, obviamente que com outras obrigações. São tantos os reparos a serem feitos (a torneira pingando no banheiro, a porta do armário escangalhada há meses, as persianas que não fecham mais... ) que um mês é pouco. Só longe de casa é possível arejar a mente, desligar-se da rotina. Como viajar está fora de cogitação, sente-se condenado a retornar das férias ainda mais cansado.
        Na tentativa de se libertar, caminha e observa as pipas com cores e motivos variados planando no alto: pássaros de papel seda presos às mãos da infância. Lembra-se de que nunca soube empinar muito bem uma pipa, tampouco fazê-la: dependia sempre dos amigos para isso. Será que hoje a molecada ainda diz “empinar pipa”?  O grande barato de tudo era sempre cortar a linha de outra pipa (cerol poderoso ceifando a alegria do adversário) e mergulhar no vazio para apará-la. Pena e júbilo se misturam num momento como esse. Solta no espaço, sem o amparo da linha e das mãos que a manipulam, a pipa tomba num balé confuso,  enroscando-se em si mesma, indo numa direção incerta, até que outras mãos, numa luta feroz pelo prêmio, a peguem ainda em plena queda. Isso ele vê ainda agora, quando um bando de meninos passa afoito ao seu lado, cruza imprudentemente a pista e some atrás dos prédios.

2 comentários:

  1. Oi, Geraldo, quanto tempo, não é?! Ando também soprando palavras nesta blogosfera e adorei voar com suas pipas. quando der apareça lá por meus Contos,cantos e encantos
    http://contoscantoseencantos.blogspot.com e não deixe de mandar notícias. Tenho três novos livros e ouras seis no prelo. Nem tive tempo de fazer lançamentos fora da Feira do Livro, mas farei e aí, aviso você.
    Grande abraço.

    ResponderExcluir
  2. Olá, Alessandra, tudo bem? Bom vê-la por aqui. Melhor ainda saber que você está produzindo - e muito! Eu a vi num programa da TV Senado (também estive lá no Programa Leituras). Acessei o seu blog e gostei muito do que vi. Deixei uma mensagem lá. Aguardo o seu convite. Volte sempre! Tendo um tempinho, visite também o Bule: http://o-bule.blogspot.com.
    Um abração.

    ResponderExcluir