domingo, 23 de maio de 2010



 CHUVA DE MAIO

Por Geraldo Lima

O serviço de meteorologia havia anunciado a possibilidade de chuva (fina, frisara a repórter) nos próximos dias, mas não demos muito crédito. O sol escaldante e o céu límpido davam a entender que a temporada de chuvas já havia acabado. 
Mas estávamos redondamente enganados. Só para encharcar o nosso pessimismo, na noite do dia dez, lá para as vinte e duas horas, São Pedro abriu o chuveiro celeste e uma chuva gostosa, lírica, sem arroubos de inundação, caiu sobre a cidade de Sobradinho (um presente de aniversário pelos cinquenta anos?) e mandou o calorão e a secura para escanteio (no dia seguinte, às treze horas, quem sabe com temperatura ainda amena, Dunga anunciaria a lista dos convocados para a Copa do Mundo na África).
Eu e minha esposa corremos para a janela do quarto (a janela do nosso quarto mais parece um televisor de duzentas polegadas, um exagero de vidro temperado fumê!) e, ajoelhados na cama, ficamos assistindo à chuva cair e tamborilar no vidro escuro. Caia tímida no início, como se fosse acabar logo após os primeiros pingos, mas aos poucos foi ganhando volume e intensidade.
O refletor no alto do prédio tornava aquele espetáculo da natureza ainda mais bonito: num determinado momento, tangidos pelo vento, os pingos de chuva começaram a dançar de um lado para outro, num frenesi de quase pânico, como um cardume de pequenos peixes prateados tentando escapar do predador no fundo do mar. Depois, sem o sopro forte do vento, a chuva voltou a cair vertical e constante, como flechas prateadas mirando o chão. Uma imagem inesquecível, dessas que nos arrebatam para sempre. Ao fundo, o céu se destacava róseo, e como aquele era um momento de rara poesia, lembrei-me do verso de Homero: “a Aurora de róseos dedos”. E era sem dúvida um momento capaz de despertar em nós sentimentos profundos, de  trazer à tona desejos há tempos esquecidos. Tocada talvez por esse clima de poesia ou pela imagem de algumas pessoas que passavam sem pressa na calçada, minha esposa – que guarda ainda uma alma interiorana – revelou sua vontade de andar sob a chuva, encharcar-se toda e, ao chegar em casa, tomar um banho quente. Era a infância retornando à memória, intacta e sadia.  A infância de diversão na enxurrada!
Ficamos ali, curtindo o espetáculo da chuva e namorando, – é preciso aproveitar instantes raros assim (principalmente depois de tantos anos juntos) para regar o amor, mantê-lo verde, florido sempre.
Seria aquela a derradeira chuva antes da chegada da seca? Ainda que não fosse a última, seria, com certeza, a mais poética de todas.          

4 comentários:

  1. tou sentindo falta de chamadas para O BULE no seu blog... kkkkkkk

    da próxima vez eu prometo que leio os seus textos! abraços.

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  2. Passando pra te ler e desejar
    uma linda semana.
    Bjins
    entre sonhos e delírios

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  3. Opa, Rogers, é verdade. Vou abrir mais espaço para O BULE aqui. Um abração.

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  4. Olá, Reflexo d'Alma, obrigado pela visita. Volte sempre. Um abração.

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