Por Geraldo Lima
Zé Celso Martinez montou
seu Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona no gramado da Esplanada dos Ministérios, ao
lado da Biblioteca Nacional de Brasília, de frente para o Poder, e nos brindou
com suas Dionisíacas. Das quatro peças apresentadas, assisti a duas: Taniko e As
bacantes. Perdi as peças Calcida! e O
banquete. Pudesse, teria assistido a todas. Um presente dos deuses assim
não se deve menosprezar. Coisa que não teríamos chance de ver senão indo a São
Paulo, estava ali, à nossa disposição, e praticamente de graça: o ingresso era
trocado por um quilo de alimento não perecível.
Não é fácil assistir às
montagens desse gênio do teatro brasileiro. Imagine uma peça cuja duração é de
seis horas! Corpos e mentes mais cansados não aguentam mesmo. Além disso, a
dramaturgia de Zé Celso segue as ideias antropofágicas do modernista Oswald de
Andrade. Uma peça como As bacantes, nas mãos do diretor do Oficina,
vira um barco delirante. À Grécia Antiga, presente nos textos de Eurípedes,
Ésquilo, Sófocles e Aristófanes, junta-se a “Grécia do Brasil”, e aí entram o
Candomblé, o Carnaval, Os mamonas assassinas, o sertão nordestino, o rock etc
etc. Em Taniko, o Teatro Nô funde-se com o ritual do
Candomblé, com a Bossa Nova, enfim, com a cultura brasileira. O ritual é sempre
no sentido da fusão, da miscigenação, do encontro entre culturas diferentes. O
que se opõe de forma brutal, não-antropofágica, ao estrangeiro, à alegria e ao
prazer paga um alto preço. Penteu, rei de Tebas, que se opõe à
presença de Dionísio e ao ritual das bacantes, simboliza bem esse tipo de
atitude, e paga caro por isso.
A estética teatral de Zé
Celso Martinez é irmã siamesa da estética cinematográfica de Glauber Rocha.
Todo esse ritual delirante e antropofágico pode ser visto, por exemplo, no
filme A idade da Terra. Ambos os diretores bebem na fonte da
cultura grega clássica e na da cultura brasileira. O processo é o mesmo:
trazer o mito para o mais próximo da nossa realidade, de modo que a leitura dos
nossos problemas políticos, sociais, psicológicos e estéticos seja ampliada. Na
base de tudo isso está, sem dúvida, a antropofagia de Oswald de Andrade.
Um texto levado à cena
por Zé Celso é puro ritual. No caso d’As bacantes, isso fica ainda
mais evidente. É preciso entender que o que ele procura, nesse caso, é nos
fazer mergulhar no mundo dionisíaco de fato. Corpos nus e erotismo tomam conta
do palco. Dionísio está ali, e sua presença contamina até a plateia. Pessoas
menos afeitas a esses rituais cênicos vão embora logo. Um espetáculo assim, que
une as pulsões do ser natural e o mito grego ao mundo tecnológico, num tom de
orgia e de crítica às estruturas de poder, não agradará mesmo a todos. Porém,
os que ficam e resistem ao cansaço e à ousadia cênica levam na memória a imagem
e a pulsação dessa experiência teatral única entre nós.
Eu sou míope e uma vez perdi os óculos. Só tinha um óculos escuros com grau - e foi com esse óculos que eu fui assistir ao Hamlet.
ResponderExcluirNum determinado momento, tudo escuro, o Zé Celso parou diante de mim (o Oficina, na época, parecia uma grande passarela com arquibancada)e ficou lá, segundos e segundos olhando pra minha cara. Certamente pensando: "Cada maluco que aparece por aqui". Foi muito engraçado.
Parreira, a tenta-teatro que eles montaram aqui, na Esplanada dos Ministérios, de frente para o Congresso Nacional, tem essa estrutura aí: uma passarela. É como o Sambódromo ou a Marquês de Sapucaí. É carnaval também o teatro do Zé Celso. É dionisíaco. Orgiástico. Só num espaço assim é possível conceber as suas montagens cênicas.
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