sábado, 10 de julho de 2010

A POESIA DE ROBERTO PIVA


 
Por Geraldo Lima

O poeta Roberto Piva faleceu no dia 03 de julho no Instituto do Coração, em São Paulo, deixando um vazio na cena literária brasileira.  A sua poesia, que só agora começa a ser reconhecida pelo seu alto valor literário, traz a marca da ousadia estética e temática. Sob a influência do Surrealismo, expressou-se através de uma linguagem repleta de imagens imprevisíveis e desconcertantes, de um lirismo que procura dar vazão plena ao ser chocado com o mundo ao seu redor, mais especificamente a cidade de São Paulo. Das leituras de Rimbaud, herdou o “desregramento de todos os sentidos”, e dos poetas da Beat Generation, o ritmo não-linear, jazzístico, quase de colagem de imagens e ideias. Murilo Mendes, Walt Whitman, Mário de Andrade, Garcia Lorca, Baudelaire são outros poetas cuja influência povoa os versos do autor de Paranoia. Foi sob o signo da liberdade que Piva criou seus poemas, não fazendo concessões em busca da fama rápida, fugaz. Fez poesia para reverberar por gerações e gerações. Sua alma de xamã habita entre nós. Abaixo, um dos seus poemas retirado do livro Paranoia, republicado pelo Instituto Moreira Salles, em 2000.

RUA DAS PALMEIRAS

Minha visão com os cabelos presos nos rumores
                               [de uma rua o sol fazendo
         florescer as persianas por detrás do futuro
meu impulso de conquistar a Terra violentamente
                                          [descendo uma rua
         gasta
minha vertigem entornando a alma violentamente
                                  por uma rua estranha
os insetos  as nuvens costuram o espaço
        [avermelhado de um céu sem dentes
as copeiras se estabelecem nas sacadas para gritar
o sangue fermenta debaixo das tábuas
meninas saem de mãos dadas sem que a Terra
                          [deixe marca nas unhas
onde está tua alma sempre que o velho Anjo
                                   [ conquista as árvores
           com seu sêmen?
os aviões desencadeiam uma saudade metálica
                                   [do outro lado do mundo
colunas de vômito vacilam pelos olhos dos loucos
corpos de bebês mortos apontam na direção de
                                                [uma praça vazia
o tapume os vultos meu delírio prestes a serem
                                                [obliterados pelo
           crepúsculo
almas inoxidáveis flutuando sobre a estação das
                                     [angústias suarentas
as palavras cobrem com carícias negras os
                                              [fios telefônicos
no ar no vento nas poças as bocas apodrecem  
                                             [enquanto a noite
              soluça no alto de uma ponte


Roberto Piva nasceu em 1937, na cidade de São Paulo, onde sempre viveu. Figurava ativa no meio cultural e poético paulistano desde a juventude, teve seus primeiros poemas publicados na célebre Antologia dos novíssimos (Massao Ohno, 1961). Publicou os livros de poemas Paranoia (Massao Ohno, 1963, Instituto Moreira Salles, 2000), Piazzas (Massao Ohno, 1964, Kairós, 1980), Abra os olhos e diga ah! (massao Ohno, 1975), Coxas (Feira de Poesia, 1979), 20 poemas com brócoli (Massao Ohno/Roswitha Kempf, 1981), Quizumba (Global, 1983), Antologia poética (L & PM, 1985) e Ciclones (Nankin, 1997). Todos esses livros foram reunidos nos volumes Um estrangeiro na legião, Mala na mão & asas pretas e Estranhos sinais de Saturno (Globo, 2005, 2006, 2008).

Leia também n'O BULE tributo a Piva:
link: O BULE

2 comentários:

  1. É realmente de se admirar as poesias de Roberto Piva, a quem fui conhecer no seu blog. E aproveito esse comentário para lhe dizer que seus textos e contos são belíssimos, achei pela internet e resolvi ler, por curiosidade; acabei me encantando com uns trechos do romance UM e estou a procura deste! Parabéns, belo blog também =) .

    ResponderExcluir
  2. Ca, antes de tudo, obrigado pelo seu comentário. Bom, para comprar o UM, você pode encomendar na Cultura, na Saraiva ou na Leitura. Não achando aí, peça direto à editora: legeeditora@lgeeditora.com.br
    Volte sempre.

    ResponderExcluir