sábado, 10 de novembro de 2012

Um Arthur Miller de encher os olhos



Por Geraldo Lima

O bom texto teatral, como qualquer obra de arte, é aquele que nos faz penetrar num mundo vasto, do qual só podemos emergir outro. Uma obra assim nos permite perceber as relações humanas nos seus mais diversos matizes, dos conflitos amorosos ao embate político ou ideológico, da amizade mais sincera à traição que sempre aniquila. Vemos o ser humano, nesse caso, em sua plenitude: capaz de mesquinharias e de gestos heroicos. Tomando emprestado o discurso de Nietzsche, humano, demasiado humano, é assim que o vemos. A sua alma vaza pelos poros. Ali, no palco, na figura dos atores e das atrizes, a vida se descortina assustadoramente bela e trágica diante de nós. É para fora do nosso eixo de comodidade que somos arrastados todo o tempo. É nossa consciência que é fustigada sem trégua.

Tudo isso pode ser atribuído à peça que Arthur Miller escreveu após a morte da atriz Marilyn Monroe, com quem foi casado de 1956 a 1961. 'Depois da queda', escrita em 1964, mostra, de modo impiedoso e, às vezes, bem- humorado, o cenário político dos Estados Unidos durante a caça aos comunistas (e aqui o autor dessacraliza também a visão romântica do intelectual engajado), sua relação com a família e, obviamente, com o mito Merilyn Monroe. Arthur Miller não fala diretamente da sua vida. É na figura de Quentin, um advogado bem sucedido, e de Maggie, uma pop star depressiva, que ele traz à tona o seu passado.  É, claramente, uma obra autobiográfica, mas que vai além do expor os percalços amorosos e familiares do autor.

Esta nova montagem da peça do dramaturgo norte-americano, ganhador do Prêmio Pulitzer de 1949, tem direção de Felipe Vidal e conta com a participação de um elenco afinado: Simone Spoladore, por exemplo, se sai muito bem no papel de Maggie/Marilyn Monroe. Lucas Gouvêa (Quentin/Arthur Miller), com memória invejável, leva sua fala ácida e caudalosa de ponta a ponta sem grandes escorregões. Gostei, particularmente, da atuação da atriz Thais Tadesco (Holga, Rose): sensível e ágil na passagem de uma personagem a outra. Repito: o elenco é afinado. E é isso, aliado à qualidade magistral do texto, que faz com que o espectador se mantenha ligado durante as três horas de duração do espetáculo.  A peça fez sua estreia nacional  aqui em Brasília no dia 19 de outubro de 2012, no CCBB (escrevo esta resenha no dia 10 de novembro, um dia antes de ela encerrar sua temporada por estas bandas). Daqui, parte para uma turnê nacional (só não sei se será apresentada apenas em teatros do CCBB).  Fiquem, portanto,  bem atentos, pois este é um espetáculo teatral imperdível.

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