Por Geraldo Lima
Lucky, de John Carroll Lynch, é um filme que nos trinca o coração,
tamanho o grau de humanidade que ele irradia, e nos força, esteticamente, a
mergulhar na vida do personagem e emergir dali com a alma repleta de afetos e
beleza.
O filme é de 2017 e passou batido diante do olhar dos principais prêmios
da indústria cinematográfica, mais especificamente o do Oscar, que ignorou a
magistral interpretação de Harry Dean Stanton, que, aos 90 anos de idade,
encarnou, com finesse e paixão, a vida de um homem também nos seus 90 anos, o
cético e ranzinza Lucky. O corpo de Lucky/Stanton está definhando, dando sinais
de que pode desabar a qualquer momento [o de Lucky, de fato, desaba em
determinado momento, alertando-o de que o fim está próximo], mas o espírito
mantém-se vivo, intenso, como se pudesse avançar ainda por décadas e décadas.
Lucky, embora pessimista e ranzinza, está cercado de afeto, e, no
lugarejo em que vive, num desses lugares esquecidos do interior dos Estados
Unidos, com cara de velho Oeste, não passa despercebido. Vive sozinho, mas não
é um solitário, como ele mesmo defende. Poderia ser um tipo apenas folclórico,
mas sua radicalidade existencial e seu discurso filosófico à la Cioran
afastam-no do puro tipo e nos entrega um ser complexo, cujo ato de viver nos
emociona e nos humaniza. Sua rotina, que parece que vai sempre dar em nada,
deságua em encontros em que a vida, naquele vilarejo, mostra-se mais intensa e
rica que em qualquer grande centro urbano.
Lucky é o primeiro filme de John Lynch como diretor, até então apenas um
ator coadjuvante. E ele acerta de primeira. A obra que ele entrega ao público é
recheada de poesia e sutilezas narrativas. Há que se ter paciência para seguir
a rotina do protagonista, despida de eventos mirabolantes e violentos, e olhar
agudo para perceber a riqueza estética e de conteúdo que o filme apresenta. É
assistir e se emocionar. E rir também, já que o filme tem elementos de comédia.
E a genial interpretação de Stanton nos leva de uma ponta a outra do espectro
de emoções. Com este filme, ele encerrou brilhantemente sua carreira de ator:
Harry Dean Stanton faleceu sem ver a estreia do filme.
Minha gente, em tempos tão torpes quanto este em que vivemos, só podemos
salvar nossa humanidade, nos reabastecermos de esperança, com a fruição de
obras de arte como essa, obras de arte essenciais, obras de arte que nos dão
vontade de celebrar a vida sempre sempre sempre...
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