quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Todos os portais: realidades expandidas

      
Nelson de Oliveira aposentou-se definitivamente da literatura em 1° de janeiro de 2012. Ele, a mulher e a filha saíram do país. Fontes pouco confiáveis afirmam que estão no Caribe, gozando de merecidas férias. Em cima de sua mesa de trabalho foi encontrada (quem encontrou? não sei, talvez a empregada, talvez um parente próximo) uma pasta endereçada ao amigo e editor da Terracota, Claudio Brites. Dentro da pasta estavam os contos selecionados por Nelson para a antologia Todos os Portais + o texto de apresentação + o sumário (ordem em que os contos deveriam aparecer no livro) + recomendações gerais quanto à capa e ao projeto gráfico. Havia também um bilhete endereçado ao editor: “prezado amigo, publique quando achar conveniente”.

Todos os portais: realidades expandidas reúne alguns textos publicados nos seis volumes da revista independente Projeto Portal. Durante três anos, seis portais foram abertos no mapa da literatura brasileira. Seis passagens para outros mundos, outros metabolismos, outros sistemas de pensamento. Portal Solaris surgiu no verão e Portal Neuromancer na primavera de 2008, Portal Stalker irrompeu no verão e Portal Fundação no outono de 2009, Portal 2001 apareceu no inverno e Portal Fahrenheit na primavera de 2010.

O Projeto Portal foi uma revista de contos de ficção científica editada no sistema de cooperativa. A pequena tiragem de cada número foi paga pelos participantes e os exemplares foram divididos entre eles. O Projeto Portal não se destinava ao grande público, mas apenas ao pequeno grupo de aficionados mais refinados. O lema da galera era: poucos exemplares para poucos leitores exemplares. Por isso os exemplares da revista não foram vendidos, eles foram distribuídos entre os melhores leitores do país. Foram 6 edições, 798 páginas, 44 autores, 129 contos (50 curtos, de até 3 páginas, e 79 longos) e 2.450 exemplares. Nada mal para um empreendimento sem qualquer finalidade comercial, cujo objetivo primeiro foi divulgar a boa ficção científica brasileira.

Todos os portais: realidades expandidas é uma seleção de narrativas dos seis números do Projeto Portal. São vinte e um contos, vinte e um autores. Agora em edição comercial. Imaginem delicados psicotrópicos artificiais capazes de abrir as portas da razão e os portões da percepção. Imagine sutis substâncias alucinógenas capazes de estimular a fantasia e a inteligência sem provocar danos neurológicos irreversíveis. Todos os portais são essas drogas seguras.

Através deles a realidade de primeira ordem — o aqui e o agora percebidos pelos cinco sentidos — irá se desdobrar em outras realidades muito mais estimulantes: a da ciência, a da filosofia, a da arte e a da religião, todas de segunda ordem. Outras leis físicas, metafísicas e patafísicas irão coordenar as constelações sensoriais. O passeio por essas paisagens de segunda ordem, habitadas por personagens estranhas e sedutoras, nunca é sossegado e monótono. É sempre perigoso e inquietante. E, por isso, muito prazeroso.

AUTOR: Nelson de Oliveira (org.)
ISBN: 978-85-62370-57-1
IDIOMA: Português
EDIÇÃO: 1
ANO DE EDIÇÃO: 2012
PÁGINAS: 208
FORMATO: 14×21 cm
GÊNERO: Literatura Brasileira – Ficção Científica
VALOR: R$ 32,00

CONTOS DE: Ana Cristina Rodrigues, Ataíde Tartari, Braulio Tavares, Brontops Baruq, Carlos Emílio C. Lima, Claudio Brites, Fábio Fernandes, Geraldo Lima, Ivan Hegenberg, Jacques Barcia, Laura Fuentes, Luiz Bras, Marco Antônio de Araujo Bueno, Maria Helena Bandeira, Mayrant Gallo, Mustafá Ali Kanso, Petê Rissatti, Ricardo Delfin, Richard Diegues, Roberto de Sousa Causo, Tiago Araújo.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Paciência tem limite


Por Geraldo Lima

Mudar de endereço é se embrenhar num emaranhado de situações complicadíssimas, algumas de causar desânimo e quase desespero.

Tivemos, por força das circunstâncias, que trocar de operadora de telefonia e de banda larga. Fiz orçamentos dentro da "variedade" de operadoras disponíveis no mercado e optamos, obviamente, pela que ofereceu os melhores preços e, aparentemente, os melhores serviços.

Marcado o dia de instalação, lá estou eu à espera dos técnicos. A tarde toda. Apareceram? Hum! Ligaram remarcando e pedindo desculpas. Sou do tipo que acredita nas pessoas até o derradeiro segundo. Vieram? Hum! E ficamos na espera quase uma semana, até que minha paciência se esgotou (sou humano, ué!) e liguei para cancelar o contrato. (Isso num sábado.)  Bom, a atendente fez o jogo dela: prometeu que naquele dia mesmo ainda iriam fazer a instalação, que ela iria falar com o coordenador... Imaginei que esse coordenador tivesse algum poder e confiei. Mas fui taxativo: se não me aparecerem até o meio-dia, já era! Apareceram? Hum!
 
 Firmamos contrato com outra operadora por força das circunstâncias. Parecia que estava tudo certo, até  nos  telefonarem dizendo que eles (os cancelados) não estavam liberando a tal da portabilidade, que o contrato não havia sido cancelado... O quê?! Liguei pra tal operadora com um único propósito: encerrar o imbróglio de uma vez por todas, por bem ou por mal (às vezes chegou aos extremos). O atendente tentou fazer o jogo dele; eu, no entanto, estava intransigente naquele dia, estava com a gota-serena! Ele vinha com desculpas e promessas,  e eu só dizia não! Quando parecia que ele havia entendido de fato o meu intento, eis que me aparece com uma história meio absurda: por obrigação, teria que me apresentar as propostas do sistema. Mas eu só quero cancelar o contrato, meu caro!, bradei. E ele continuou dizendo que não tinha como sem antes ouvir o que o SISTEMA tinha a me apresentar. E foi assim  que se deu o caso: ele sumia por alguns minutos e voltava com a proposta do sistema. Coisa tentadora. Mas eu continuava inflexível, duro, seco: Não! O atendente sumia de novo e voltava com uma proposta ainda mais tentadora. Não!, respondia eu. (Estava tão orgulhoso dessa minha inflexibilidade, resistindo a grandes tentações.) Por curiosidade, queria ouvir a voz do sistema, porém só o silêncio pulsava nesse intervalo em que o atendente mergulhava no nada. Por fim, tive a impressão de ouvir um burburinho lá no fundo, parecia haver agora uma voz junto ao atendente, acossando-o, instigando-o, uma voz feminina... Era essa a voz do sistema?! Imaginei que estivessem dizendo algo como: Esse safado está querendo é regalias, ele não quer pagar mensalidade alguma... 

Quando o atendente emergiu desse burburinho, percebi que a negociação havia chegado ao fim. Ele jogou a toalha. Mas antes veio com aquela velha história de exaltar a operadora, que era uma pena eu ter cancelado o contrato, pois se tratava da melhor (não me lembro se disse a maior) prestadora de banda larga da América Latina, e blá-blá-blá... E eu, orgulhoso da minha inflexibilidade!

domingo, 25 de novembro de 2012

Um texto simples e comovente




Por Geraldo Lima

A peça 'Dinossauros', do dramaturgo argentino Santiago Serrano, é de uma simplicidade total: apenas dois atores em cena, um cenário despojado, poucos objetos de cena (um banco de praça, um acordeon, uma sacola, uma garrafa de vinho, talheres), um único foco de luz (sugerindo a luz de um poste), pouca movimentação e diálogos marcados pelo coloquialismo, pelo tom bem natural. Um espetáculo que se sustenta, principalmente, na palavra e na atuação dos atores. Nesse caso, na belíssima atuação do ator Murilo Grossi e da atriz Carmem Moretzsonh, ambos de Brasília e do Grupo Cena. Vale ressaltar, aqui, a segura direção de Guilherme Reis, sem destoar do ritmo que o texto exige.

O que assistimos, em apenas uma hora de duração do espetáculo, é a vida acontecendo, no palco, com expressiva naturalidade: um homem e uma mulher se encontram em algum lugar da cidade, tarde da noite, e, a partir daí, vão se aproximando, dando cabo da solidão e do medo. Tudo isso se dá entre silêncios, risos, tentativas de fuga,  de recuo e de reaproximação. O encontro entre os dois seres urbanos, cada qual com suas cicatrizes e seus sonhos, vai se consolidando aos poucos, num transe lírico (quase dionisíaco num momento), na medida em que vão se desnudando, se revelando, se entregando. O que acontecerá depois, assim que o dia chegar, ninguém sabe: aos dois, fica a certeza de que estão vivendo um momento intenso, que os arranca da solidão e do vazio. Se vai durar, impossível saber. Há a vontade de que dure, e isso já é um começo. Para os espectadores, como ponto de identificação, fica, talvez, a torcida para que continuem juntos, curando-se das suas feridas. Eis aí um texto simples na sua tessitura, mas de significado muito profundo.

Essa montagem da peça de Santiago Serrano, pelo Grupo Cena, já está em cartaz há bastante tempo e foi apresentada em vários locais do Brasil, sempre com muito sucesso.  Aqui em Brasília, voltou a ser encenada e ficou em cartaz, no Teatro Eva Herz da Livraria Cultura, Shopping Iguatemi-Lago Norte, até o dia 25 de novembro.  Para os que não tiveram a oportunidade de assistir a esse belo e comovente espetáculo teatral, fica a torcida para que ele volte a entrar em cartaz de novo.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A realidade que não queremos


Por Geraldo Lima

A realidade brasileira está cada vez mais assustadora porque a violência parece não ter fim entre nós. O mais assustador ainda é que a capacidade de alguns indivíduos explicitarem sua brutalidade de forma gratuita  tem sido a marca dessa realidade sangrenta e estúpida. E para quem vive na paz, avesso a essas demonstrações de animalidade, o medo é ainda maior, porque os atos de selvageria explodem assim, por coisa banal, numa situação que poderia muito bem ser resolvida sem a presença da força ou da ignorância.

Nem vou falar do que anda acontecendo em São Paulo, onde policiais e civis estão sendo, sistematicamente, assassinados por bandidos. Fico daqui apreensivo e tomado de medo porque meu filho está lá, estudando, e toda essa carnificina parece fora de controle. É a mais cabal demonstração de falência do Estado. A mais nítida prova da incapacidade de gestão dos que se engalfinham de quatro em quatro anos para conquistar o Poder. A justiça brasileira  parece sumir em meio a essa decadência social. Sem exageros, talvez possamos afirmar que  ela é parte importante das causas dessa decadência que aprisiona o cidadão nas redomas do medo e do estresse. Quantos marginais, que deveriam estar atrás das grades, estão soltos por aí, andando livremente pelas ruas? Parece haver um quê de maldade em tudo isso; não é possível que as autoridades não se comovam com essa situação, que não entrem num estado de frenesi e ânsia em busca de uma saída urgente e duradoura para esse caos.

Mas, deixem-me falar sobre dois fatos que ocorreram recentemente aqui, na Capital do país, e que me deixaram ainda mais pessimista quanto ao nosso destino. O primeiro trata-se do espancamento de um jovem por outros jovens ao sair de uma festa no Plano Piloto. O resultado dessa selvageria é que o rapaz foi hospitalizado com ferimentos graves no corpo. O segundo aconteceu nas proximidades de Sobradinho, uma das cidades satélites de Brasília. Após um desentendimento no trânsito, o ocupante de um dos carros sacou um revólver e desferiu alguns disparos na direção do outro veículo, ferindo dois dos seus ocupantes. O absurdo de tudo isso é que, a princípio, nada parecia justificar essa ação brutal do sujeito que fez os disparos. Em outras palavras, um gesto da mais estúpida natureza.

Todos esses são atos de selvageria que fazem parte de um histórico de outros tantos da mesma natureza e que têm maculado a imagem de Brasília. A cena do espancamento  é quase sempre a mesma: jovens de classe média, mais músculos que cérebro,  geralmente moradores do Plano Piloto, em bando (notem aí a proximidade com as feras), agridem outro jovem até aniquilá-lo. A fúria e a covardia são, nesses casos, elementos fora de controle, já que esses indivíduos, apartados do espírito de civilização, agem fora dos limites da razão. O espantoso, nesse caso de agora, é que um dos agressores é estudante de engenharia na UnB.

Fosse um sociólogo, eu diria que está clara a falência desse modelo de sociedade que se erigiu por aqui. Fosse um indivíduo religioso, diria que falta Deus na vida desses jovens. O fato é que talvez falte família, civilidade, educação e cultura que refinem o espírito, que se contraponham à massificação que embrutece e atrofia o cérebro. O que posso dizer é que, como ser pensante, cidadão e pai, estou cada vez mais pessimista e apavorado com toda essa selvageria e a inoperância do Estado brasileiro.  

(Texto publicado, originalmente, no Jornal Opção. )