sábado, 21 de agosto de 2010

IX. MUSA.


Por Geraldo Lima
        
         Diante da porta, que lhe resta? Bata. Quantas vezes for preciso, bata. A porta, antes muda, há de se abrir num largo sorriso. Implore. Diga bem alto que a música daquele violino arrastou-o até ali e agora, enfeitiçado, você já não pode mais voltar ao próprio quarto.
         Três horas da tarde e você ainda aí, diante da porta, através da qual a música divina passa e o atinge como um raio. Insista. Mesmo porque, a partir de certo ponto, é impossível o recuo. Ainda que a inanição o assedie nessa circunstância, mantenha a fleuma, o desejo, a alma no mais completo enlevo.  Ah, esse trecho, um allegro, e ela o executa com tanta maestria. Deve ser tão bela quanto essa passagem de Vivaldi. Pode ser que não seja, também. E pode ser até que não seja ela. Essa hipótese faz sentido: até agora não nos foi revelado nenhum indício sobre a identidade de quem enche a tarde assim com o mais puro som. Mas o que o arrasta não é a música? Ou é só a ideia de que ela (supondo que seja ela), ao violino, possa ser como uma espécie de ninfa, de deusa translúcida?
         Sendo assim, insista. Bata. Bata, até que a porta se escancare e, lá no centro da sala, diante da partitura, a imagem dela lhe entre pelos olhos e caia fundo na alma. Pense: é tudo como você imaginava. Esses óculos de aros redondos, finos, deixando-lhe o rosto com um ar mais tristonho, torna a imagem idealizada ainda mais completa. Deduz-se: meiguice, solidão, recolhimento. Eis a música. Eis a musa. Prostre-se então diante dela, reverencie-a, ame-a, não há outra igual assim no mundo. Mas faça tudo isso no mais completo silêncio: o menor ruído, e ela se dissolve. 

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